quinta-feira, 30 de outubro de 2014

IANQUES E SIONISTAS ISOLADOS



(HOMENAGEM AO POVO CUBANO, PUBLICADO EM 2010)

A AURA TIÑOSA

Uma jovem italiana, confirmei; vivendo em Londres, disseram-me; deitada de costas na mesa de recuperação, observa através da estrutura vidrada do ginásio, uma ave imponente que se destacava nos céus de Havana: A aura tiñosa.

Apercebi-me da “provocação” nas lágrimas que lhe deslizavam pela face e se perdiam nos cabelos. A aura, além de evidenciar as nossas limitações, alertava-nos para as humanas fragilidades, remetendo-nos ainda para a reflexão em nós tão pouco frequente, principalmente quando tudo nos corre de feição.

Um acidente de aviação, avião particular em que se deslocava de Londres para Espanha onde ia assistir a uma festa - gente abastada, obviamente - deixou-a presa a uma cadeira de rodas. E porque recursos não lhe faltavam, de uma clínica em França transita para uma outra na Suíça onde os meios técnico-científicos são, forçosamente, o que há de mais moderno, ou não fosse terra de bancos ajoujados, em que o dinheiro sujo, ou melhor dizendo, manchado se sangue, espalha o aparente bem-estar.

Nada lhe falta! e no entanto... a tristeza, o desalento, o esboroar de sonhos em construção, transbordava pelo rosto suave dessa jovem de vinte e um anos.

Na estéril, fria e daqui longínqua Suíça, com todos os bens materiais que o mais exigente ser humano pode ambicionar, não foi possível comprar um simples sorriso, nesse país de afectos esterilizados, onde a alegria desde há muito repousa em frascos de formol.

Via-a chegar: pálida, frágil como uma pequena ave apanhada pela refrega. Observo-a: distante como que pelo absurdo a paraplegia não lhe dissesse respeito; faz os movimentos de recuperação sem interesse, mais: que os outros os façam por ela. O trauma está bem vivo. Na acética, austera e formal Suíça, repetiram-lhe vezes sem conta: a sua vida vai ser na cadeira de rodas, adapte-se, e, já agora, digo eu, não se esqueça de deixar na caixa os mil e duzentos euros por dia.

Veio para Cuba. A Beatriz, profissional competente e atenta tanto ao estado de saúde física como psíquica da paciente que lhe foi indicado recuperar, vai cumprindo os exercícios que lhe deve ministrar e, conversando naturalmente, como se estivesse, e estava fazendo o que há demais natural, não retém a gargalhada oportuna, nem se inibe do dichote ou da conversa brejeira com uma jovem de Porto Rico com patologia semelhante, mas determinada.

O ambiente é cordial e a música cubana não deixa ninguém indiferente, envolvendo todos, mesmo os de esperança adiada. A recuperação da jovem italiana é lenta a todos os níveis e, sendo embora difícil extrair-lhe o esboço de um sorriso, timidamente o semblante descontrai-se abrindo-lhe o caminho.

A “salsa” dá o ritmo a uma nova vida, dos Helvéticos fica a recordação do silêncio, de o tudo recheado de nada, das luzes reflectidas no aço inoxidável que nos transportam para os filmes de ficção científica.

O sol entra pelas vidraças do ginásio e acumulado que está no espírito desta gente, aquece o ambiente e os espíritos, distribuindo alegria e alento, húmus onde cresce a esperança.

O dia de hoje é de festa: ela mexeu um dedo de um dos pés! O pai, neurocirurgião italiano, veio visitá-la; dez minutos, visita de médico. Ninguém poderá determinar até onde irá a recuperação; entretanto a confiança começa a ocupar o seu espaço para que a existência tenha sentido.

Observo-a de novo: de regresso ao ginásio, ânimo revigorado, aflora o primeiro sorriso; na mesa dos exercícios tenta esforçar-se; um negro gingão, fisioterapeuta também, acaba de chegar e dá-lhe um beijo. A naturalidade e a fraternidade entrelaçam-se, não há doentes nem sãos, pretos ou brancos, ricos ou pobres, há a participação técnica e afectiva de todos no esforço comum para encontrar os caminhos da vida.

E já nesse caminho, vereda ainda, ouve-se música, trabalha-se e, para os casos mais extremos ou para os que requerem menos cuidados a atenção não difere.

Só a aura tiñosa ensombra os céus de Cuba. Misto de ave de rapina e abutre, mantém-se atenta á mais pequena falha ou a qualquer movimento descuidado da sua potencial vítima. Além do mais os abutres não suportam a alegria dos povos, irrita-os a cultura e o saber, componentes essenciais da liberdade.

O vizinho tinhoso mudou de abutre mas não desarma, gasta biliões de biliões em armamento sob o olhar perplexo de biliões de famintos.

O povo cubano resiste, e esta luz que tudo esclarece, provavelmente encandeia de tal modo que obstrui a realidade.

3 comentários:

  1. O vizinho ,alêm de tiñoso,ê burro.(Sem querer ofender os animalitos)Ainda nao entendeu,que um povo culto,nao pode ser vencido.Cuba continua e continuarâ,viva!A maioria do seu povo,herdeiro de Martî,sabe o que tem a perder,caso opte por alternativa que nao seja o socialismo.

    Abraco

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  2. Parabéns, por este post. A luta política sem emoção, sem sentimento, sem um sólido fundamento de humanidade, não será - nunca o poderia ser -, a nossa luta. Abraço.

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