CRÓNICA PARA UM FIM DE ANO
“Sem futuro, o presente não serve para
nada, é como se
não existisse.”
J. Saramago (Ensaio
sobre a Cegueira)
O presente é de tal forma veloz e o futuro
tão fluido
que o homem
parou o tempo para
acertar o relógio.
Aguardou que o sol
nascesse, fechou os olhos e a terra parou. Pensava que
deste modo resolvia o seu porvir,
recusando-o simplesmente.
Desde sempre aguardou um ano
novo, novo de facto, mas em vão, o ano
chegava-lhe sempre sem
esperança, vinha
a prazo e/ou
com recibo
verde, cumprindo os Critérios
de Convergência que
a moeda única
lhe impunha.
Este dito “Novo Ano”, se o recebesse com
a coletiva histeria, o habitual foguetório,
seria mais um
ano sem
futuro, contratado por
cinquenta e duas semanas. Calendário amarrotado e lançado ao lixo.
“Que fazer então?” Pensava o
pobre homem
sem olhos
de realidade.
- Se
me aparece sempre
já debilitado da viagem,
a única solução,
a única hipótese,
é ir ao seu encontro. O futuro
chega sempre
atrasado se o esperarmos sentado.
De
alento renascido, mesmo
sem olhar o relógio, gritou: É a hora!
Pelos anos não se espera, nunca se deve
esperar, os anos
novos são
sempre e só
os que nós
construímos na caminhada que leva ao seu encontro, só assim os nossos votos
deixam de ser desejos,
meras intenções, cartões
coloridos com frases
ocas, palavras
em poli-linguismo
estafado, fogo-de-vistas
distante e frio.
- Recuso-me
a aceitar quaisquer ano-refugo que me queiram impingir. Se nunca me deram nada
de jeito a que
propósito me
entregariam um ano
sem defeito,
com certificado
de garantia ou
seguro contra
todos os riscos?
No
afago do pensamento-calor, sorriu confiante para o Ano Bom, e
exaltante exortou a que o acompanhassem:
- Venham,
venham comigo para
a rua, sim
para a rua, não fiquem para ai feitos basbaques
engrossando a ala dos que aplaudem sem
saber porquê nem para quê um qualquer ano asno.
Venham
para a rua exigir o vosso ano de direito,
com direito
ao emprego, à saúde,
ao bem-estar, ao futuro,
sem o qual
não há presente.
Venham,
de coerência firme,
fabricar com
as vossas mãos um
novo ano,
construindo-vos a vós mesmos.
Forçados somos a mudar de ano, mas não a renegar os nossos ideais.
Venham
amigos, os anos
são o reflexo
da nossa passividade
ou do nosso
brio.
Venham!
Nós somos o Novo
Ano!
Por mais que os chames não irão porque a tua voz não é ouvida no seu sentido da audição. Foram ontem porque uns rapazes que jogam bem à bola marcaram um golo de sorte, tornando-se o maior orgulho da pátria, a nossa selecção! Vão hoje, revirão, ver lançamentos de rolhas de cortiça e ouvir foguetes mas não saborearão sequer o calor do vinho nem apanharão canas. Irão amanhã porque vai ser um funeral e pêras, com cobertura em directo pela televisão e onde vão estar todos os maiorais!
ResponderEliminarMas quando se trata mesmo deles - isto é contigo! é tua vida! - é como se tivessem vergonha do seu próprio corpo, vergonha da sua condição. Atam as sua próprias mãos, renegam os seus avós, adormecem a sua inteligência e dirão: isso de ir para a rua é coisa de comunistas!
Não companheiro, antes da revolução chegar às ruas terá de ser feita de porta a porta e mesmo assim corremos sempre o risco de ser confundidos com testemunhas de jeová.
Temos em mão um trabalho do caraças pá! Ainda mais sabendo que terá sido uma sorte do caraças eles lerem a tua crónica!
Um abraço e que as tuas passas não sejam do algarve!
Que dois excelentes textos!
ResponderEliminarO do post e o comentário. Que bem acompanhado me sinto, apesar do trabalho do caraças que temos nós, e os outros que nós somos e nos continuarão.
Bom ano para os dois e todos nós.