sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Desconfiar da Desconfiança - Fernando Buen Abad Domínguez


Desconfiar da Desconfiança

Nada mais terrível para um cético do que ter que confiar no seu ceticismo para duvidar das suas próprias dúvidas. À força de submeter tudo ao fogo de seus ressentimentos, o ceticismo torna-se aditivo e funde tudo no nada inclemente da sua lógica paralisante. E muitos confiam nisso, dogmaticamente. Não confundir com a dúvida científica.
É por isso que eles necessitam de atacar todo o “otimismo” e destruir o que soe a “esperança”. Necessitam pintar de negro qualquer cor e qualquer luz que, embora débil, dê confiança a algo ou alguém. Especialmente se esse algo são os povos organizados, com ideias claras e possibilidade de triunfo. Há muitos casos avulsos e exceções.

O ceticismo sabe disfarçar-se, afirmando-se com gestos da moda e de seita como distintivo secreto para se reconhecerem entre si: uma olhadela desqualificadora, um sorriso de escárnio e umas quantas “frases feitas” como esconjuro perante aquele que possa organizar-se e ter moral para batalhar e mudar o inferno em que vivemos. Duvidar de tudo a todo o custo para que nada mude, para que nada valha, para que tudo seja suspeito, inútil… impossível.

Torna-se expressão de medo e angústia e, no melhor dos casos, é um problema individual, uma crise de personalidade, mas, no seu grau mais perverso, é uma expressão ideológica que se aperfeiçoa amplamente para – disfarçada de posição progressista – gerar resultados conservadores e reacionários. É uma forma de pensamento armada com um sistema ideológico que apaga tudo aquilo que gera enquanto vai crescendo… para chegar a nada. É a dúvida parva.

O ceticismo mais tosco é uma forma de idealismo burguês que se esclerosou na história, na lógica armadilhada que traz dentro de si e da qual não há escapatória para o raciocínio que quer sair das catacumbas e da postergação. Abrange um amplo arco pleno de matizes. Vai dos extremos depressivos aos detalhes cínicos. Não se conforma, nada o satisfaz nem há autoridade que o detenha. Contra tudo, o ceticismo alimenta-se de desafios muito diversos. Quanto mais evidentes são as possibilidades de mudança superadora, mais se radicaliza a ideia de desconfiar, agudamente, como princípio e como finalidade. Da palavra Revolução, das suas vitórias e suas expressões mais diversas… nem falar. Para os céticos não passam de miragem.

Mas o ceticismo é também uma forma da procura que garanta o fracasso. Necessita de se refugiar na deceção (em diferentes graus e matizes) para dar sentido ao seu não sentido. Por isso, o ceticismo triunfador é depressivo e iracundo, recorre às periferias do sentido à procura de falhas, debilidades e fraturas com as quais cria as bases para a sua sempre moralista conclusão pessimista: “nada de novo debaixo do sol”, a “humanidade não tem salvação”, “não se pode fazer nada contra os poderes estabelecidos” e o clássico “ninguém sabe.”

A sua herança, como “Doutrina filosófica”, leva-nos a crer que considera não existir saber firme nem opinião segura. Não é possível o conhecimento e a única certeza é a dúvida. Têm a mania de desconhecer a verdade e as suas muitas matizes obrigam-nos a distinguir os vários rostos do ceticismo como corrente filosófica dos séculos IV a.C. – s. II d.C. e o ceticismo como teoria da moda em tempos “posmodernos”. São, como um sinal, inoportunos, antipáticos e amargos sempre em graus diversos segundo os seus patamares de crença (ou descrença) e segundo a sua própria capacidade de adaptação às frustrações que geram. Aparecem de mil maneiras e “há sempre um à mão”. Sonham ser protagonistas de filmes ianques ou docentes universitários em Ciências Sociais e aí, são devastadores. Publicam livros, conferências e dissertações traficadas com toda a impunidade e despudor, à luz dos aplausos que lhes ofertam os seus “fans”… tarde ou cedo também eles, coerentemente, céticos que não creem numa só palavra dos seus “profes”. Um caminho promissor até ao nada... mesmo.

Entretanto uma parte considerável dos seres humanos procura (como pode e com o que tem) a saída do inferno capitalista em que estamos mergulhados e sabe que abrir a porta requererá forças enormes produto de alianças e acordos bem organizados e eficazes. Na base desses acordos reside a condição de confiança (critica se se quiser) que é necessária para repartir as cargas e as forças rumo a um futuro que, para valer a pena, há de incluir-nos – por igual – a todos. E, entre debates e acordos, tal confiança organizada implica saber, aprender, reconhecer afirmações verdadeiras e afastar falsidades. Implica crer em algo e confiar em conquistá-lo entre tudo e para todos sem ingenuidades nem idealismos. Já temos aprendido amargamente com esses enganos.

Neste espaço, não fazem falta os “céticos”, nem os “deprimidos” de ocasião. Não fazem falta os sorrisos ideológicos, o “desconfiado” em full-time nem as desolações ensaiadas pelos fanáticos do pessimismo ocioso e rentável. Em geral, não fazem falta nenhuma as artimanhas ideológicas burguesas concebidas para desmoralizar ou para desmembrar as organizações populares que, pelo seu lado, são muitas vezes toda a alegria, confiança e fortaleza moral em plena batalha.

Outra coisa é a interrogação científica na dialética do conhecimento. As lutas da classe trabalhadora, em todo o mundo, requerem dispositivos teóricos e práticos para submeter a debate e superação os ideários, as crenças e as atitudes de cada um dos seus militantes para não serem surpreendidos na hora da verdade (que é a luta revolucionária) ao encontrar alguém que ande diletando poemas deprimentes pelas ruas em lugar de ocupar o seu lugar, convivente e produtivo, onde a luta exige mais criatividade, mais força e mais convicções dinâmicas e firmes. Batalha das ideias, pois! É isso.


(Tradução de CS/LA)

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