sexta-feira, 25 de abril de 2025

Um texto magnifico... por Adão Cruz

 25 DE ABRIL, O GRANDE VENCEDOR – por Adão Cruz

Fonte: “A Viagem dos Argonautas

Um texto magnifico a que não resisti, escrito com coração e mestria


25 DE ABRIL, O GRANDE VENCEDOR

por Adão Cruz

O 25 de Abril foi o mais importante fenómeno político-social da nossa história moderna. O mais fascinante fenómeno político-social da vida de todos aqueles que tinham dentro de si a terra preparada para nascerem cravos.

Foi uma rajada de vento estilhaçando as janelas do tempo e deixando entrar o futuro e os sonhos pela mão dos pequenos gestos de cada um de nós. Uma generosa pincelada de cor e de vida nas paredes gastas da existência, nas palavras desencantadas e nos rostos mortos da esperança. O abrir da madrugada que há tanto tempo se recusava a ser dia.

Sensação única e irrepetível. A praça do entusiasmo era demasiado grande e a alegria brotava em cada esquina, entoando canções que ardiam no ventre da arte e da poesia. Eram muitas as certezas, ainda mais as incertezas e uma cândida ingenuidade brilhava em todos os olhos. Acreditava-se que neste pérfido mundo ainda havia almas grandes, as únicas capazes de ultrapassar a fronteira para além da qual o homem adquire a dimensão da cidadania, da honra e da dignidade.

Ao calor do 25 de Abril se deve o germinar da revolucionária ideia de que é na relação com os outros que nós percebemos quem somos e que o sentido da nossa existência é o sentido da nossa coexistência. A maior conquista do 25 de Abril foi, de facto, o nascimento de uma necessidade crescente de sentir a beleza, o autêntico, a verdade, o gosto da vida para cada um e para todos, a solidariedade, a sede de saber e a consciência da soberania da liberdade e da justiça.

Comemoramos hoje o nascimento de uma vida por que tanto lutámos. Mas é com tristeza que penduramos o cravo na lapela e uma lágrima nos olhos. Hoje já não sabemos se é dor ou alegria o que sonhamos quando abrimos ao sol as portas de Abril. Não sabemos se é dor, tristeza ou alegria, aquilo que sentimos quando a revolução faz tantos anos de saudade e nostalgia.

O 25 de Abril sempre teve e tem alma de esquerda. Nunca poderia ser o gene da nova ditadura que aí está desde há muito, cada dia mais tecnologicamente evoluída e sofisticada. Não demorou muito depois de Abril a incubação do ovo da serpente. Como fazem os micróbios quando aprendem a utilizar o antibiótico como alimento, os saudosos do antigo regime apoderaram-se da palavra democracia, usando-a como rótulo do veneno que lentamente foram injectando nas consciências e nas inconsciências do nosso povo.

O seu caldo de cultura é não só o domínio da comunicação, onde ferreamente institucionalizou a desinformação e a mentira com máscaras de informação, mas também a eterna manutenção da ignorância, da estupidificação, da pobreza e do obscurantismo. Tudo em nome da competitividade e da convergência, da globalização, da modernidade, da religiosidade, da flexibilização, da privatização, palavras inquestionáveis das estratégias de dominação por parte daqueles que sabem quem tudo ganha à custa de quem tudo perde.

São estes responsáveis pelo abrir de portas e pelo estender de tapetes às chancelarias do crime que provocaram ou facilitaram esta barbárie dos tempos modernos, a corrupção, os roubos ao país, os cortes de salários e o esbulho das pensões, a degradação social, a fome ao lado da loucura do consumismo, o monetarismo e o ultraliberalismo cujo útero reside nos tecnocratas da rapina e na cabeça do patrão planetário que os condecora por cavarem cada vez mais fundo o fosso entre ricos e pobres.

De cravo ao peito ou sem ele, comemoram com toda a desfaçatez a honrosa revolução que sempre odiaram, numa tentativa de a desnaturar e de neutralizar o genuíno espírito de Abril. O que se passa na Assembleia da República é paradigmático. A hipocrisia é maior do que o monte de cravos ali aprisionados nesse dia. Dia que muitos suportarão com dificuldade, conhecidos que são os seus claros sinais de alergia.

Nos dias que correm, a luta tem de ser redobrada dentro de cada um de nós. Não é o grau de facilidade ou dificuldade ou a carga pragmática ou utópica que ditam o que deve ser feito ou obstam àquilo que deve ser feito, mas é, sobretudo, a resistência e a força da verdade da nossa consciência perante a submissão.

A identificação com os autênticos valores de liberdade em todo um processo de valorização pessoal e colectiva, exprime uma inquestionável adesão ao Bem e à Justiça, uma interioridade e uma nobreza de carácter só reconhecidas às almas grandes. É por tudo isto que ABRIL é e será sempre o GRANDE VENCEDOR.


1 comentário:

Olinda disse...

Um texto maravilhoso, sem dúvida. Na criatividade literária e pela verdade critica . Abraço.