“Sou mais adepta da caridade do que da solidariedade social” diz ela
«Não
há razão para haver fome em Portugal» diz ele
Dois tipos bem dispostos, aparentemente normais. Mas não. Estes seres misericordiosos
alegram-se com a miséria alheia. Se fossemos
todos felizes mudavam de catadura, os pobres são a sua maior alegria.
Movimentam-se no limbo da morte, nutrem-se
da fome alheia como os necrófagos de cadáveres.
* * *
« - D. Leocádia, quem recebe o bem fica sempre humilhado.
O bem constrange. O que tu chamas piedade e o bem põe quem o recebe na
situação de te morder as mãos. E continuar a fazer o bem é elevar-te
pelo bem que fazes e
rebaixar-me pelo bem que recebo.
Acabas por gastar o que em mim há de melhor. Oh D.
Leocádia, se eu pudesse – eu é que fazia o bem, para tu veres o que é o bem recebido, o
bem agradecido e o bem amargurado.
Antes tu me fizesses mal, D.
Leocádia, porque o mal põe-me ao teu nível, e o bem acostuma o desgraçado a ser mais desgraçado ainda. Degrada-o.
Põe-no na tua dependência e na dependência da desgraça. Cria uma superioridade, a tua, e um azedume, o meu. Classifica
para todo o sempre. Estou
perdido se não reajo em ódio.»
in, HUMUS – 1º vol. – Raul Brandão
3 comentários:
Extraordinârio texto.Que lucidez.Estamos perdidos,se nao reagirmos com ôdio äs Jonês deste mundo.
Estes anjos até nos tiram a vontade de comer mas dão-nos cá um apetite!...
Um abraço na certeza que para acabarmos com os pobres temos de acabar antes com eles
Extraordinário texto de Raul Brandão!!!!
A caridade é realmente um ultraje, pois precisa da existência da triste situação de pobreza.
Nunca ouvi uma dessas almas caridosas falar na eliminação da pobreza!!!
Um abraço.
Enviar um comentário