terça-feira, 25 de maio de 2010

Dia dos vizinhos

BOM DIA VIZINHOS

Encontrava-os quase todas as manhãs junto ao carro estacionado em frente à sua residência. Jovens, bem-parecidos e simpáticos, lançavam-lhe umbom-dia vizinhocordial, próprio de quem deseja que tudo se passe o melhor possível.

Que simpáticos! Em que andar residirão? É tão pouco comum que no burburinho cotidiano alguém nos a salvação. Retribuía com igual franqueza e entrava na cidade.

Procurou saber junto da porteira em que apartamento vivia o jovem casal e, em retorno, envolto num sorriso comum a qualquer imbecil, ficou a saber que havia algum tempo que os “vizinhos” residiam na viatura frente à porta do prédio.

Na manhã seguinte, retribuiu a saudação com algum distanciamento e comentou com os colegas de trabalho, quadros de uma grande empresa, o insólito acontecimento; colegas que durante algum tempo, em estilo de chacota, lhe perguntavam: “então, como vão os teus vizinhos?”

E esses lobos manhosos com pele acrílica a imitar a de cordeiro não sentiam o drama; tão-pouco procuravam saber o que teria levado a que aquele casal se encontrasse em semelhante situação.

Uma das manhãs, olhando-os de soslaio, quis-lhe parecer que a jovem estava grávida; veio a saber que esse seria o seu terceiro filho e que os outros se encontravam com os avós; além disso, soube também que haviam tido uma vida como a sua, repleta de sonhos próprios a todos os que amam a vida.

Algum tempo depois, soube que a multinacional onde trabalha equacionava a possibilidade de reduzir a produção: e os “lobos” andavam irrequietos, menos eloquentes não mais lhe perguntaram pelosvizinhos”. Pela comunicação apelidada de social, soube que a empresa onde trabalhava um casal amigo, ambos engenheiros, ia deslocalizar-se para a China.

Do sector financeiro à indústria e comércio os despedimentos colectivos surgiam em catadupa. Amoleceu o ar empertigado de yuppie triunfante e, de semblante carregado, reflectia a intranquilidade envolvente. É certo que tinha algum património e com pais e sogros relativamente bem instalados não se antevia, pelo menos de imediato, a viver numa viatura. Mas… e se essas almofadas um dia lhe faltassem?

Pelas manhãs, ao sair para o trabalho, procurava ter a iniciativa de dar os bons dias aos que passou a considerar seus vizinhos, e sentia uma necessidade enorme de com eles entabular conversa. O que lhes teria acontecido, qual a trajectória para tamanho infausto, como encaravam o futuro ou em que lhes poderia ser útil?

Bloqueado, não conseguiu saltar a barreira do medo, medo de ver reflectido o seu futuro na dos seus vizinhos.

O Inverno entristecia a noite com a chuva miudinha puxada a vento. Ao regressar a casa, deparou com a polícia municipal a rebocar todos os veículos mal estacionados. O carro dos seus vizinhos não estava.

Deixou de ter um espelho; ficou com um pesadelo.

Pois é!

2 comentários:

Sérgio Ribeiro disse...

Chama-se... um murro na boca do estomago!
Pois é. A falta que faz ver os outros como o nosso espelho. E, quantas vezes..., quando se procura o outro, nem o espelho que eles são se encontra!
Grande abraço

Nozes Pires disse...

Triste história do quotidiano, assim se escrevem grandes histórias.