domingo, 15 de dezembro de 2019

Relendo

“O Gesto Que Fazemos para Proteger a Cabeça”


A primeira leitura é de descoberta, a sofreguidão de preencher o tempo de espera por um novo livro de Ana Margarida de Carvalho.

Uma vez saciados regressamos ao banquete para degustar devidamente os sabores que nos são propostos:

 


   «desanda daí,

o cansaço é uma sofreguidão de vésperas e sonos acumulados, às vezes desvia-se do carreiro feito de caules enxofrados, restolho amachucado e seiva vertida em vão, duas linhas de infinitos óbitos sulcadas pelas carroças dos companheiros, e ia um pouco mais ao lado só pelo prazer de esmagar um ninho de abetarda com as rodas da carroça, sentir estalarem os ovos ou os crânios miniaturais das crias, casulos amarelos e penugentos, entretinha-o a dança desesperada da ave que, para afastar os predadores, se punha numa fuga encenada, com uma asa alquebrada, a fingir-se de ferida, presa apetecível, a sacrificar-se pelos seus ovinhos, mas tão desastrada, a mais desgraciosa das aves, aos pinchos, grotesca, escutava-lhe os piares cruciantes, quando voltava e via a sua criação feita em papa,  a infeliz, quem julgava enganar, só se alguma raposa fosse na rábula da ave desvalida, a oferecer-se em penitência, fazia-lhe lembrar a mãe, que chamava para si todas as atenções, a infeliz, e assim poupou os filhos de serem esborrachados pela fúria da aldeia, mas nem a mãe tinha astúcia de ave desajeitada, nem o seu cérebro chegava para tanto,
   pobre mulher,»
(Pág. 19)



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