BOM DIA VIZINHOS!
Encontrava-os quase todas as manhãs
junto ao carro
estacionado em frente
à sua residência.
Jovens, bem-parecidos e simpáticos, lançavam-lhe um cordial
“bom-dia vizinho”, próprio
de quem deseja
que tudo
se passe o melhor
possível.
Que simpáticos! Em
que andar
residirão? É já tão
pouco comum
que no burburinho
cotidiano alguém nos
dê a salvação. Retribuía com igual franqueza e entrava na cidade.
Procurou saber junto da porteira em que apartamento
vivia o jovem casal
e, em retorno,
envolto num sorriso
comum a qualquer
imbecil, ficou a saber
que havia já
algum tempo
que os “vizinhos”
residiam na viatura frente
à porta do prédio.
Na manhã seguinte,
retribuiu a saudação já
com algum
distanciamento e comentou com os colegas
de trabalho, quadros
de uma grande empresa,
o insólito acontecimento;
colegas que
durante algum
tempo, em
estilo de chacota,
lhe perguntavam: “então,
como vão
os teus vizinhos?”
E esses lobos manhosos com pele acrílica a
imitar a de cordeiro não sentiam o drama;
tão-pouco procuravam saber o que
teria levado a que
aquele casal
se encontrasse em semelhante
situação.
Uma das manhãs, olhando-os de soslaio,
quis-lhe parecer que
a jovem estava grávida; veio a saber que esse seria
o seu terceiro
filho e que
os outros se encontravam com os avós; além
disso, soube também que
já haviam tido uma vida
como a sua,
repleta de sonhos
próprios a todos
os que amam a vida.
Algum tempo depois,
soube que a multinacional
onde trabalha
equacionava a possibilidade de reduzir a produção: e os “lobos”
andavam irrequietos, menos eloquentes não
mais lhe
perguntaram pelos “vizinhos”.
Pela comunicação
apelidada de social, soube que a empresa onde trabalhava um
casal amigo,
ambos engenheiros,
ia deslocalizar-se para a China.
Do sector financeiro à indústria
e comércio os despedimentos coletivos
surgiam em catadupa. Amoleceu o ar empertigado de yuppie
triunfante e, de semblante
carregado, refletia a intranquilidade
envolvente. É certo que
tinha algum
património e com pais
e sogros relativamente
bem instalados não
se antevia, pelo menos
de imediato, a viver
numa viatura. Mas…
e se essas almofadas um dia lhe faltassem?
Pelas manhãs, ao sair para o trabalho, procurava ter a iniciativa de dar os bons dias aos que
passou a considerar seus
vizinhos, e sentia uma necessidade enorme
de com eles
entabular conversa. O que lhes teria
acontecido, qual a trajetória para tamanho infausto, como
encaravam o futuro ou
em que
lhes poderia
ser útil?
Bloqueado, não conseguiu saltar a barreira do medo, medo de ver refletido o seu futuro na
dos seus vizinhos.
O Inverno entristecia a noite
com a chuva
miudinha puxada a vento.
Ao regressar a casa,
deparou com a polícia
municipal a rebocar todos
os veículos mal-estacionados. O carro dos seus vizinhos já lá não estava.
Deixou de ter um espelho; ficou com
um pesadelo.
1 comentário:
Muitas vezes a realidade, ultrapassa a própria ficção! Certa vez, atendia um cliente bem vestido, aspecto aburguesado até. Entra um "toxicodependente", habitual visita diária na loja, carente de afectos, ficava tempos a falar connosco, a pedir uma moedinha. Teceu uma história falsa ao cliente, sensibilizando-o e lá levou uma moeda maior. Quando saiu, informei o cliente, que nada do que o Delfim,(era o seu nome) , disse era verdade. Resposta: Minha senhora , ninguém diga que viver na rua é porque querem. Eu já vivi na rua, e sei do que falo! Abraço.
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