CANTIGA DO ÓDIO
O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?
Teoria
do ódio
Nada
é o que parece?
No
ódio da classe opressora conjugam-se – e inserem-se – todas as patologias do capitalismo. É um dos seus
espelhos mais nítidos. A sua transparência. É ódio “refinado”, que se
sofisticou, instrumentalizado e maquilhado (minuciosamente) até parecer, inclusive,
“amor ao próximo” ou filantropia para anestesiar, com palavreado moralista,
instituições e jurisprudências, as insurreições populares. Entretanto os odiadores fazem-se passar por “bons”.
Ódio
pasteurizado para reconfigurar o
cenário geral da vida sobre um tabuleiro manhoso donde: o debate
capital-trabalho ocorra como coisa fora do controlo das empresas; o papel dos
trabalhadores pareça independente da realidade capitalista; e, além disso, o
trabalho pareça uma atividade individual e independente à margem das “leis”
económicas do capitalismo. Emboscadas para ocultar o ódio aos trabalhadores; para
não lhes pagar o seguro social nem nenhum direito laboral. Para minimizar
“custos” e dar como morto o pagamento de horas extras, ajudas de custo e outras
remunerações consideradas como direitos adquiridos. Ódio disfarçado de
modernidade administrativa. “Nada é o que parece”. Ódio inoculado como
“cultura” do burocratismo.
Na narrativa das
burguesias o “ódio” apresenta-se elegante e muito à-vontade para se apropriar
do produto do trabalho. Com o beneplácito de alguns “especialistas” em teorias
de semióticas, e de seus chefes, surge uma corrente desenfreada carregada com
“novas classificações” para o ódio, de onde reina – sem rebuços – a ideia de
que é condição dos seres humanos odiar-se a si mesmos com ódio funcional e
contra a sua própria classe… nas “apps”,
os telemóveis… “gerencialmente” e por conta própria… Determinismo do ódio que
não tem horários. Não permitas que os noticiários burgueses te convençam a
ódiar o teu próprio povo. Não engulas o ódio oligarca como se fosse teu.
É ódio com determinação de classe
expresso como paixão que anula razões. Rompe os laços humanos solidários e fixa
códigos de aliança setária. Nalguns casos converte-se em “prazer” inconfessado.
Assim desliza na vida cotidiana e “embriaga” ao aproximar-se de forma expressiva,
objetiva e subjetivamente. Tornou-se parte da paisagem e circula os diários,
noticiários, cançonetistas, filmes, as histórias de amor, as relações
familiares e, é claro, as relações jurídicas e as de produção. E onde menos o
imaginas habita, todo ou em parte, o ódio de classe convertido em moral da
época.
Sobrevivemos num cenário planetário
infestado por ódios de todos os géneros. É uma Cultura, Política e Comunicação
do ódio e para o ódio diariamente, o ódio condensado e ódio compartilhado,
esmagado, mutante, tenso, entre a vigília e os sonhos; ódio que serve para
conjugar a prática de mil condutas envenenadas pelos seus entrosamentos. Ódio
de classe, de “raça” de género, sexual, político, ontológico… o ódio que nos
inunda com os seus limites e nos distancia dos outros entre convulsões
antidemocráticas, conservadoras e de corretivo que aparecem em todas as partes
e a toda a hora em forma de violência, raiva, impotência, desespero e
autoritarismo de direita.
É certo que o ódio é um velho
companheiro dos seres humanos. A sua validade permanece avassaladora e piora
nas condições históricas de conquistas, coloniais, guerras ou revoluções.
Intensifica-se nas relações de dominação e exploração ou nas tentativas que os
povos fazem para se emancipar, mas nem por isso devemos aceitar fatidicamente
que somos animais odiadores por natureza,
ainda que tenhamos de responder frontalmente onde o ódio se infiltrou nas
nossas vidas e, nos converteu em seus escravos tontos em plena “modernidade”
marcada por Auschwitz, Hiroshima e Gulag.
O ódio anula a igualdade, a liberdade,
a tolerância, o respeito à dignidade e à autonomia do outro. Uma sociedade
igualitária e digna é impensável enquanto houver gente produzindo ódio e
vendendo-o como um dos maiores negócios da História. E o ódio subsiste tanto
nos meios como nos fins do capitalismo, acachapado nas suas formas originais do
racismo, integrismo religioso, étnico ou nacionalista mantendo a sua
maquilhagem (por vezes televisiva ou cinematográfica) para intoxicar as
relações sociais. De um ou outro modo, perto ou longe, está entre nós (às vezes
dentro) o ódio de classe. Incluso o ódio entre irmãos, companheiros e
camaradas. É imprescindível entender a sua natureza, as suas raízes, causas e
efeitos… combater um tema de tamanha complexidade nas suas mais diversas
facetas e o seu impacto nas visões e condutas deformadas pela ideologia do ódio
(racistas, sexistas, integristas que o fomentam) e, derrota-lo… em e com tudo o
que tenhamos à mão, incluindo a literatura, as artes, o cinema e os “mass media”.
Outra coisa é o recurso do conceito
“ódio” para enfatizar as posições de luta contra-hegemónica e pela emancipação
definitiva de nossos povos e, então, o “ódio” adquire uma dimensão semântica de
combate, não contra as pessoas, mas contra os sistemas de dominação, exclusão,
aniquilamento e envilecimento da humanidade. Por isso, António Gramsci
insistiu, no seu “ódio aos indiferentes”,
convertendo-o numa declaração de princípios, de fins e de posições.
Há que convocar todas as frentes
dignas, e em pé de luta, para impedir a propagação do discurso do ódio contra
migrantes e contra todos os grupos chamados “minoritários”. Contra o ódio aos líderes
sociais, aos movimentos emancipadores e aos mandatários das nações
progressistas. Contra o ódio desencadeado e cultivado nas “redes sociais”.
Travar o ódio generalizado para ameaçar a vontade democrática dos povos. Contra
o ódio para sufocar dissidências legítimas, a livre expressão popular, o
direito a viver sem violência… e, além do mais, exigir que cessem as operações
com mecanismos “trolls”, “bots” (ou como queiram
chamar-lhes) por onde transita o ódio de classe e a violência burguesa
disfarçada de “liberdade de expressão”.
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