quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

A deriva - Manuel Loff no Público

 

A deriva

Quem quer preservar a democracia deveria começar a discutir já em que se transformará ela uma vez passada a pandemia.

Público, Ler  (Aqui)

1 de Dezembro de 2020

 “Estivemos aqui a exercer direitos democráticos que durante 48 anos de ditadura fascista foram proibidos e que, conquistados com Abril, acabaram por ser consagrados na Constituição”, disse Jerónimo de Sousa no Congresso do PCP. Que um dirigente político, exercendo a sua cidadania democrática e dois dos direitos essenciais de toda a democracia (o de reunião e o de associação), tenha de recordar uma coisa tão básica em Portugal é sinal de onde está a chegar a perversão autoritária. Continuar a prescrever-se a suspensão de direitos democráticos em nome da pandemia é não só revelador da persistência da distopia moral que elogia o medo como critério de ação e de vida ("Não tenha medo de ter medo”, escrevia-se há meses num outdoor da Câmara de Cascais), como revela bem onde chegou esta campanha de desafeição pela liberdade e pela democracia.

Para os que pensem que me estou a esquecer da pandemia (como se tal fosse possível no afunilamento da realidade em que vivemos desde março), recordo que os comunistas cumpriram com tudo aquilo que a DGS lhes solicitou. “Se há algum ensinamento a extrair do congresso do PCP”, dizia Jerónimo, “é que não existe nenhuma dificuldade intransponível para garantir a segurança sanitária e o exercício de direitos e liberdade” (PÚBLICO, 29.11.2020). Como tinham já cumprido em setembro, na Festa do Avante! (e eu sou dos que continua à espera das provas dos milhares de infetados que nos juraram que ela iria provocar no Seixal). E fizeram mais: cumpriram e fizeram cumprir as regras que a Constituição (como qualquer constituição democrática) impõe a toda a legislação de emergência: que não suspenda os direitos democráticos essenciais, sem os quais a emergência se torna um regime em si mesma. Pode haver quem não queira gozar os seus direitos. O que não pode é pôr em causa o direito de quem não quer prescindir da cidadania democrática. Parece pouco? Quem o questiona hoje junta-se àqueles que em todos os momentos de crise da democracia é partidário da ditadura.

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1 comentário:

Olinda disse...

As intenções despudoradas, sob pretexto da preocupação sanitária, só não as enxerga quem não quer e quem é débil de raciocínio.Abraço