Fazemo-nos eco do texto que o nosso
associado, Militar de Abril, M Duran Clemente
nos fez chegar. Trata-se da
alocução que fez na VO aquando da apresentação do seu último livro.
Associação Conquistas da Revolução - ACR
VOZ DO OPERÁRIO, 5 de Abril de 2025
APRESENTAÇÃO MDC
1.Os fantasmas de todas as revoluções derrotadas, ou desvirtuadas, ao longo da história, renascem sempre em novas experiências, assim como os tempos presentes foram engendrados pelas contradições do passado. Parafraseando Eduardo Galeano: “a História é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi anuncia o que será. A memória é subversiva por ser diferente, e também projecto de futuro”. Neste livro deixo-lhes a memória subversiva de experiências vividas, que não são opinião nem interpretação; são informações para aclarar alguns factos. Conspirei e actuei com muito empenho, vários anos antes da Revolução de Abril, com civis e militares antifascistas e anticolonialistas; faço parte dessa geração intrépida que derrubou uma ditadura a cair de podre. Lembro-me, que no dia da vitória da nossa Revolução, os portugueses regozijaram-se e viveram uma euforia emancipatória de intensa participação colectiva, reivindicaram o direito à palavra e ocuparam as ruas como espaço de libertação. Mas, à medida que as promessas de justiça social se concretizavam, surgiram os golpes e os contragolpes reacionários para as asfixiar… Em certo sentido a direita tinha razão, quando se identificava com a tranquilidade e com a ordem. Porque a ordem é a duradoura humilhação da classe trabalhadora, mas sempre é uma ordem – a tranquilidade de que a injustiça continua injusta, e a pobreza aumenta. A nossa Revolução viveu tempos duros e difíceis, de contradições e sacrifícios. Os próprios portugueses confirmaram que o socialismo se construía com o esforço de todos, e que a revolução não era nenhum passeio… As sucessivas mudanças de governos culminaram na fúria das agressões contra o Primeiro-ministro Vasco Gonçalves e seus apoiantes, por serem a expressão não mascarada da luta de classes: o perigo real. E esta revolução acossada, que suportou traições sem limites, não caiu em ditadura por ter sido defendida pelo povo. As bandeiras da revolução social, que os coveiros da Revolução de Abril enterraram em Novembro, defendiam as nacionalizações das empresas estratégicas e a expropriação dos grandes agrários que teimavam em boicotar o desenvolvimento económico do país (um dos três “Ds” inscritos no Programa do Movimento das Forças Armadas).
2 Cinquenta anos passados recordo neste livro o descontrole e precipitação com que as autoridades militares analisaram os acontecimentos de 25 de Novembro de 1975. Pelo carácter irreversível de afirmações e posições políticas assumidas por altos responsáveis, que não garantiram um julgamento justo aos “supostos implicados no designado golpe comunista”. Os militares e civis, presos e exilados após o 25 de Novembro, sofreram as vicissitudes de um ambíguo processo revolucionário. Humilhados e ultrajados, foram vilmente condenados à priori, por um sistema militar “novembrista” que subverteu os direitos universais. E para que conste, na memória futura, as averiguações não apuraram a Verdade que interessava ao país e à revolução dos trabalhadores, mas às forças mais reacionárias da sociedade portuguesa. “Só a verdade é revolucionária!”, escreveu António Gramsci. E George Orwell também disse algo semelhante, ao afirmar que "numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um acto revolucionário!" Por isso, escrevi estas crónicas para responder a muitas questões e inquietações que me zumbem na cabeça, e o que escrevi desfruta de um sentimento coletivo sempre que coincide com experiências comuns. Sei que pode parecer sacrilégio que algumas crónicas falem de determinados acontecimentos ao estilo de um romance de pirataria, mas confesso que me repugna ler obras de certos sociólogos, politólogos, ou historiadores, que escrevem em código. No meu caso, escrevi para divulgar experiências vividas e ideias alheias, que talvez ajudem, na justa medida, a clarificar as dúvidas que perseguem há cinquenta anos alguns dos ditos “vencidos” da Revolução. Porque nos mentem sobre o passado, como nos mentem sobre o presente, para mascararem a realidade. Para nos incutirem uma memória hegemónica, fabricada, alienada, dissecada e estéril. De maneira a resignarmo-nos e a perdermos a esperança na Humanidade. Há uma tendência para pensarmos que o presente é imutável, e esquecemo-nos de quantas vezes, ao longo da História, fomos surpreendidos pelo colapso de instituições, por mudanças extraordinárias nas mentalidades, por explosões inesperadas de rebelião popular e pelo colapso de regimes políticos que pareciam invencíveis.
3 Por isso, as coisas más que hoje acontecem não são
mais do que repetições de coisas que sempre aconteceram, como as guerras, o
racismo, o fanatismo religioso e nacionalista, os maus-tratos infligidos às
mulheres, a desigualdade social, a fome, etc. etc. O bom, por outro lado, é o
inesperado. Inesperado e explicável através de certas verdades, que de vez em
quando explodem e que tendemos a esquecer. Mas convém não esquecer que a
Revolução de Abril foi o culminar de lutas de muitas gerações por uma sociedade
mais justa, para conquistarmos a liberdade e o direito de votarmos livremente.
Hoje, muitas pessoas protestam contra um sistema capitalista que favorece “os
donos do capital”, mas falham o alvo sempre que culpam os imigrantes, os
ciganos, os negros ou as comunidades mais desfavorecidas. Por isso, precisamos
urgentemente de criar um sistema mais justo e igualitário que combata os
discursos populistas da extrema direita. O que ainda me encoraja é justamente
essa possibilidade de mudança, apesar do racismo, da xenofobia, da
discriminação sexual, da pobreza, das crises económicas que envenenam a nossa
sociedade, e das guerras. As guerras invocam sempre motivos nobres, quer seja
em nome da Paz, de Deus, da civilização, do progresso ou da democracia, e se
por via das dúvidas nenhuma dessas mentiras for suficiente, os meios de
comunicação social estão dispostos a inventar novos inimigos imaginários “para
justificarem a conversão do mundo num grande manicómio e num imenso matadouro”,
como afirmou Eduardo Galeano. Tudo isto porque as armas exigem guerras e as
guerras exigem armas, e os países que dominam as Nações Unidas, com poder de
veto, são os principais produtores de armas. Nunca escondi as minhas opiniões
políticas: o meu ódio à guerra e ao militarismo, a minha fúria perante a
desigualdade social, a minha crença no socialismo, como distribuição justa e
racional da riqueza. Sabemos que a dinâmica interna do capitalismo continuará a
gerar crises económicas, a destruir o meio ambiente, a aumentar a pobreza, e que
com a Inteligência Artificial, os novos “donos do capital” podem substituir a
verdade dos factos por falsidades, e comprometer o futuro da Democracia. Mas se
apenas virmos o pior perdemos a perspetiva histórica, e podemos reduzir o mundo
às notícias deprimentes dos telejornais diários.
4 Creio que o que temos de ver, para não perdermos a
esperança, são as mudanças operadas ao longo do tempo. De maneira a combatermos
o pessimismo como profecia auto-realizável, que mutila a nossa vontade de agir
para transformar o mundo em que vivemos. No fundo, os seres humanos desejam e
querem as mesmas coisas: anseiam por paz e condições de vida justas, por
amizade e afecto, para além de todas as diferenças culturais. Por isso, não
podemos ver apenas o pior sob pena de destruirmos a nossa capacidade de intervir
no processo de mudança. O que realmente importa é continuarmos a combater a
indiferença e o conformismo, a defender a verdade histórica, a questionar o
discurso hegemónico que nos conduz a receptores passivos e impotentes, e a não
perdermos a esperança no futuro da Democracia. Temos de acreditar que “Nada é
impossível de mudar”, como escreveu Bertolt Brecht:
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
GRATO a todos.
Lisboa, 5 de Abril de 2025
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