quinta-feira, 8 de julho de 2010

Mahmoud Darwish

Carteira de identidade
Mahmoud Darwish

e cuidado...cuida-te
de
minha fome
e
minha cólera.

Registra-me!
sou
árabe
o
número de minha identidade é cinquenta mil
tenho
oito filhos
e o
nono... virá logo depois do verão!
Vais
te irritar por acaso?

Registra-me!
sou
árabe
trabalho com meus companheiros de luta
em uma pedreira
tenho
oito filhos
arranco das
pedras
o
pão, as roupas, os cadernos
e
não venho mendigar em tua porta
e
não me dobro
diante das lajes de teu umbral
vais
te irritar por acaso?

Registra-me

sou árabe
meu nome é muito comum
e sou
paciente
em um país que ferve de cólera
minhas raízes...
fixadas
antes do nascimento dos tempos
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e oliveiras
antes do crescimento vegetal
meu pai... da família do arado
e
não dos senhores do Nujub*
e
meu avô era camponês
sem árvore genealógica
minha casa
uma
cabana de guarda
de
canas e ramagens
satisfeito com minha condição
meu nome é muito comum

Registra-me
sou
árabe
sou
árabe
cabelos... negros
olhos... castanhos
sinais particulares
um keffiah* e uma faixa na cabeça
as
palmas ásperas como rochas
arranharam as
mãos que estreitam
e
amo acima de tudo
o
azeite de oliva e o tomilho
meu endereço
sou de
um povoado perdido... esquecido
de
ruas sem nome
e
todos os seus homens... no campo e na pedreira
amam o
comunismo
vais
te irritar por acaso?

Registra-me
sou
árabe
tu me despojaste dos vinhedos de meus antepassados
e da
terra que cultivava
com meus filhos
e
não os deixastes
nem a nossos descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo tomará também
como se diz
vamos!
Escreve
bem no alto da primeira página
que não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas... se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e
cuidado...cuida-te
de
minha fome
e
minha cólera.

Mahmoud: imortal!
Por Elaine Tavares - jornalista

. 1 Célebre tribo da Arábia
2
Lenço com desenhos quadriculados, usado para cobrir a cabeça e
que
tornou-se símbolo nacional palestino pela liberdade e independência.
Originariamente,
esse lenço é usado pelos camponeses para
protegerem a
cabeça durante o trabalho no campo.

1 comentário:

Graciete Rietsch disse...

Maravilhoso poema!!!

Impssível perdoar aos opressores!!!

Um beijo.