segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Os limites da enunciação - Por Fernando Buen Abad D

Os limites da enunciação

Não se pode dizer o que nos dá na gana

 Por Fernando Buen Abad D
 

Um grosseiro "senso comum" reza, com desenvolto disfarce de "livre-pensador", que "todos podem dizer o lhes dá na gana"; que se é "livre de opinar" e que, sob a proteção do subjetivismo e do individualismo ("tudo é segundo a cor do cristal em que se mire"), solta-se a língua sob o capricho de conspirações ou compulsões. Vivemos sob o império de um verdadeiro torneio de irresponsabilidades e desvergonha. Em especial quando se vê que, numa controvérsia assimétrica, o "mais forte" procede com uma ofensiva, grosseira e ultrajante, que passa da origem de uma discussão ao ataque - e insulto - pessoal.

Se se põe em risco a vida, o bem-estar, a saúde, a integridade ou os direitos humanos fundamentais... não se pode soltar a língua ao acaso! Se se mente, calunia e injuria… ninguém tem direito à pretendida "liberdade" - a qualquer custo - sob qualquer pretexto. E não importa o “engenho” que ponham, leigos ou especialistas, para fazer passar suas lancetadas ofensivas e falaciosas contra pessoas, povos, movimentos ou líderes sociais. O facto claro e concreto é que quem solta a língua para ferir ou mentir deve ser sancionado. Assim rezam centenas de Constituições Políticas, morais, sociais e religiosas em todo o planeta. A "Liberdade de Expressão" não é um reduto para retóricas delinquenciais nem salvo-conduto para qualquer barbaridade impune. Ainda que a dissimulem como Liberdade de Expressão. Nem a "classificação" justifica altissonâncias ou desvarios expressivos, especialmente se a integridade de terceiros indefesos estiver em perigo ténue ou grave.

Tampouco goza de impunidade a "opinologia" de mercado nem os "jornalistas" mercantis que, sob a proteção de "fontes confidenciais" ou de pretendida "autoridade moral", concluem dejetando epítetos dos quais o mais venenoso, parcial e tóxico. Assim exageram o que exageraram; assim choraminguem ou rasguem as vestimentas das suas camuflagens liberais. É imperativo cultural estabelecer limites para as esquerdas e direitas, porque a integridade humana, a sua dignidade e honra humanas, não podem ser presa da prosa com interesses espúrios, por mais que trauteiem "liberdades" que se reservam apenas para as suas negociatas. Aqui não há ingénuos.

O império ianque não tem o direito de caluniar nenhum governo, nem qualquer líder ou movimento social, como tampouco o têm os seus adoradores, onde quer que se encontrem. Nem a ONU ou a OTAN, nem qualquer dos seus funcionários têm o direito de envenenar com os seus “comentários” encomendados, se não tiverem provas materiais ou argumentos sólidos. Não nos acostumaremos a que o poder cuspa qualquer lixo ideológico contra os povos só porque não gostam do que fazem ou do que pensam. Embora usem todos os seus meios, toda a sua farandolagem ou todas as suas máquinas de guerra psicológica.

Outra coisa é apresentar um debate sério, uma argumentação baseado em raciocínios consensuais e apoio documental. Para isso existem métodos, marcos de referência científicos, jurídicos e políticos. Tribunais, fóruns, academias especializadas e, principalmente, povos em luta que são fonte de credibilidade suficiente e que devem ser ouvidos como requisito de toda a controvérsia. Nenhum diferendo, que envolva grupos sociais, pode ser resolvido à porta fechada ou nas costas dos interessados. Muito menos com epítetos "engenhosos" fora de contexto, de lugar e de pessoas.

Todo o que "abre a boca" deve ser consciente da responsabilidade que implica tudo o que diga. Somente no âmbito de tal advertência é aceitável desenvolver um debate ou uma discussão com perspetivas ou interesses. Mesmo para assuntos bélicos entre nações, existem marcos legais que, entre razões difíceis de aceitar, se estabelecem limites e regulam comportamentos. Estabelecem-se especialmente responsabilidades para os ditos e para os factos. Não se pode dizer qualquer coisa por mais fanáticos da “livre expressão” que se creiam ou se autoproclamem. Não é aceitável apresentar como "argumento" o produto de um ódio sedimentado cuja forma, talvez astuta, é apenas um esconderijo de classe.

Não é aceitável dizer qualquer sandice e, menos aceitável é a sua defesa desavergonhada. Ainda que tenham títulos ou doutoramentos. Ainda que o digam num tom "culto" ou com histrionismo eruditos. É imperativo manter muita firmeza neste campo. Encheram-nos com “esterco verborrágico”, o campo didático do debate que é cenário na disputa do sentido e onde é essencial “vigiar armas” para treinar inteligências, conhecimentos, convicções, princípios e lutas, ou permitir que nos sequestrem, nos condenem ao silêncio e nos reduzam a espectadores tolos. Não se trata de proibir ideias nem o direito de mantê-las livremente, do que se trata é de garantir que essas ideias não vagueiem impudicamente para infligir mais dificuldades aos mais débeis, nem mais opressão aos historicamente oprimidos.

Pode-se ser enfático, mas sem palhaçadas e sem exageros inúteis. Pode-se ser veemente, mas sem emboscadas de palavrório obscurantista nem desfiguração de dados. Pode-se argumentar com números e com razões sem os misturar. Pode-se pensar em pequenas coisas ou navegando contracorrente do “sentido comum” mais "hegemónico"... o que é inaceitável é vender a inteligência e saliva ao melhor licitante oligarca, sob o pretexto de que as ideias são compartilhadas "quando, na realidade, trafica com interesses oligarcas. Disso temos tido até à exaustão nas câmaras dos representantes tanto como nas televisões dos monopólios. Estamos simplesmente fartos que nos vendam o seu palavrório envolto em conversas de "liberdade" para nos silenciar com silogismos e sofismas comerciais banhados em esterco de mercado. Estamos cansados ​​de não podermos debater seriamente porque as formas diversificadas e camufladas de censura, deslizam por toda os lados, inclusive oferecidas como a Liberdade de Expressão de uns tantos.

1 comentário:

Olinda disse...

Um texto para reflectir.Muito bom, como é habito de Buen Abad !Abraço