domingo, 5 de junho de 2022

Lucrar com a dor

 

Lucrar com a dor

 

A or­ga­ni­zação in­ter­na­ci­onal Oxfam pu­blicou há dias um re­la­tório in­ti­tu­lado Lu­crando com a Dor, que ana­lisa o au­mento das de­si­gual­dades du­rante o pe­ríodo mais agudo da pan­demia de COVID-19.

Diz-nos o re­la­tório que, desde 2020, a cada 30 horas surgiu no mundo um novo mul­ti­mi­li­o­nário, num total de 573 os que, nesse pe­ríodo, al­can­çaram esse es­ta­tuto: são agora 2668, dos quais apenas 10 pos­suem mais ri­queza do que os 40 por cento mais po­bres do mundo – ou seja, 3,1 mil mi­lhões de seres hu­manos. Não foi só o nú­mero de mul­ti­mi­li­o­ná­rios a au­mentar, mas também as suas for­tunas, que cres­ceram mais nos úl­timos 24 meses do que em todos os 23 anos an­te­ri­ores. En­tre­tanto, o es­tudo da Oxfam es­tima que, só em 2022, mais 263 mi­lhões de pes­soas passem à si­tu­ação de po­breza ex­trema, sen­si­vel­mente cerca de um mi­lhão a cada 33 horas.

Es­pe­ci­al­mente be­ne­fi­ci­ados têm sido os mo­no­pó­lios dos sec­tores ener­gé­tico, ali­mentar e far­ma­cêu­tico. As for­tunas dos mul­ti­mi­li­o­ná­rios li­gados à ali­men­tação e à energia au­men­taram 453 mil mi­lhões de dó­lares nos úl­timos dois anos, o que equi­vale a mil mi­lhões a cada dois dias. Cinco das mai­ores em­presas do sector ener­gé­tico (BP, Shell, Total Ener­gies, Exxon e Che­vron) lu­cram qual­quer coisa como 2600 dó­lares por se­gundo e dos novos mul­ti­mi­li­o­ná­rios 62 provêm do sector ali­mentar: só a fa­mília Car­gill, que com ou­tras três em­presas con­trola 70 por cento do mer­cado agrí­cola mun­dial e re­gistou em 2021 o maior lucro da sua his­tória, passou a ter 12 mul­ti­mi­li­o­ná­rios, mais quatro do que tinha em 2020. Ao mesmo tempo, são cada vez mais os que saltam re­fei­ções, não con­se­guem aquecer as casas e fa­lham o pa­ga­mento das suas contas. Na África Ori­ental, uma pessoa morre de fome a cada mi­nuto que passa.

O re­la­tório re­vela ainda como a pan­demia criou 40 novos mul­ti­mi­li­o­ná­rios no sector far­ma­cêu­tico e como a Mo­derna e a Pfizer lu­cram mil dó­lares por se­gundo apenas de­vido ao con­trolo mo­no­po­lista das va­cinas contra a COVID-19, pese em­bora o seu de­sen­vol­vi­mento ter sido su­por­tado por avul­tados fundos pú­blicos. O que é co­brado aos Es­tados pela aqui­sição destas va­cinas, cal­cula ainda a Oxfam, é 24 vezes su­pe­rior ao custo po­ten­cial da sua pro­dução. En­quanto isso, nos países de mais baixo ren­di­mento, as taxas de va­ci­nação são ainda re­du­zi­dís­simas e muitas as vidas que se per­deram e perdem.

De­nun­ci­ando a im­pu­ni­dade com que os super-ricos (como lhes chama) se apo­deram de em­presas e re­cursos, es­magam sa­lá­rios e di­reitos e be­ne­fi­ciam de re­gimes fis­cais feitos à sua me­dida, a Oxfam propõe uma maior – e efec­tiva – ta­xação das grandes for­tunas. Mas nada diz, e não seria ex­pec­tável que o fi­zesse, quanto à ne­ces­si­dade da su­pe­ração re­vo­lu­ci­o­nária do ca­pi­ta­lismo, cuja na­tu­reza ex­plo­ra­dora, de­su­mana e pre­da­dora tão bem des­creve no seu re­la­tório. Essa é a nossa ta­refa.

 

1 comentário:

Olinda disse...

Quem duvida do carácter predatório do capitalismo,aí estão os números demonstrativos de um sistema vergonhoso e injusto.Abraço