Pedi-lhe a mão, entenda-se, pedi-lhe maisprecisamenteparalheanalisar as mãos. Tomei-as entre as minhas e, apetrechado dos cincosentidosquenos constroem, fui apreciando a melhorexpressão do que somos: As mãos -- lá “onde nascem os anjos” como no clímax de inspiração, as definiu o poeta.
Harmoniosas, de pele aveludada, flexíveis, masfirmes, possuindo carácter próprio, dir-se-iam concebidas num conúbio de deuses e acariciá-las eraumexcitanteexercício de prazer. Os grandesmestres de pinturaclássicanão as rejeitariam nas suasmaisbrilhantestelas; no extremo dos dedos, longos de formosura inebriante, o vocábulounha, pela agressividade que traduz, perdia sentidoemobratãofinamenteacabada de onde exalava o suaveodor de momentosrarosemque o olfacto se perde emdevaneios.
Que têm feito estas mãos? Quesegurançanos dão? O que poderemos esperar delas além da excitaçãoestéticaquenos produzem? Serãoassimcantadasporque, vivendo das mãos alheias, nada cultivam, nada constroem, não passando de puroornamento?
Serão estas as mãosquetanto preocupam os nossosgovernantes e que servem de pretextoparaarrastar, diariamente, a Ministra da Gripe a todos os canais televisivos?
Nosspots difundidos pelas ondas hertzianas, porcabooupela NET, semesquecer o audiovisual, o alarmechega a todos os lares: “Lavem bem as mãos!”. Especialistasemprocessos de lavagens a todos os níveis, médicos, conferencistas, politólogos (não sei a quepropósito, masestesespecialistasnunca faltam à chamada) economistas e os omnipresentes comentadores, todos, sem excepção, recomendam e ensinam como devemos procederparamanter as mãos limpinhas e esclarecem que está nesta medida higiénica a nossa salvação, como se fossemos umpovo de javardos e hidrófobos.
O quenão fica esclarecido, nem creio que haja paraalgunsinteresseemesclarecer, é a quetipo de “mãos sujas” se referem.
As do narcotraficante que usurpou a presidência da Colômbia e que, além de ter contraído o vírus porcino, tem as mãos sujas de sangue?
Ouqual a diferençaentre as mãos calejadas de umtrabalhador do campoou da oficina, mãosque respiram dignidade, e muitos hesitam emapertar, e as mãosreluzentes de unhas tratadas do traficante ou do banqueirousurário, ouainda do eclesiástico a quem beijam a mãoque absolve o poderoso e arrecada as dádivas dos necessitados.
As mãos impõem respeitopeloque constroem, construindo-nos. Umpovoque se respeite tem hábitos de higiene, não necessitando que, de cincoemcincominutos, os enxovalhem lembrando-lhes preceitoselementares.
Raramente as mãossão glorificadas paraque o trabalhadormanual, talcomo o designam, não ouse pensarque é o actor essencial na comunidade e lute paraexigir o lugarquelhe compete na sociedadeque, desdesempre, vem construindo.
Fazem-se conjecturassobre a gripeque, supostamente, atingirá dezporcento da população e toda a máquina governativa se perfila como se preparada estivesse para uma guerra. Entretanto, o exército de desempregados atinge os dezporcento e vai engrossando, diariamente, e no seuseiojá se instalou o vírus da misériaqueleva ao desmembramento familiar e arrasta os mais débeis ao suicídio.
Desemprego e miséria, vírusquenosflagela e quemina a sociedade, aparece-nos nas frias e enganadoras estatísticas e a vacinapara o combatervoga no campo das intenções, a longo prazo, e denomina-se: Hipocrisia!
1 comentário:
Excelente texto, muito bem escrito além do mais.
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