quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

BOM DIA VIZINHOS



BOM DIA VIZINHOS!

(pequena crónica de um futuro anunciado)

Encontrava-os quase todas as manhãs junto ao carro estacionado em frente à sua residência. Jovens, bem-parecidos e simpáticos, lançavam-lhe um “bom-dia vizinho” cordial, próprio de quem deseja que tudo se passe o melhor possível.

Que simpáticos! Em que andar residirão? É já tão pouco comum que no burburinho cotidiano alguém nos dê a salvação. Retribuía com igual franqueza e entrava na cidade.

Procurou saber junto da porteira em que apartamento vivia o jovem casal e, em retorno, envolto num sorriso comum a qualquer imbecil, ficou a saber que havia já algum tempo que os “vizinhos” residiam na viatura frente à porta do prédio.

Na manhã seguinte, retribuiu a saudação já com algum distanciamento e comentou com os colegas de trabalho, quadros de uma grande empresa, o insólito acontecimento; colegas que durante algum tempo, em estilo de chacota, lhe perguntavam: “então, como vão os teus vizinhos?”

E esses lobos manhosos com pele acrílica a imitar a de cordeiro não sentiam o drama; tão-pouco procuravam saber o que teria levado a que aquele casal se encontrasse em semelhante situação.

Uma das manhãs, olhando-os de soslaio, quis-lhe parecer que a jovem estava grávida; veio a saber que esse seria o seu terceiro filho e que os outros se encontravam com os avós; além disso, soube também que já haviam tido uma vida como a sua, repleta de sonhos próprios a todos os que amam a vida.

Algum tempo depois, soube que a multinacional onde trabalha equacionava a possibilidade de reduzir a produção: e os “lobos” andavam irrequietos, menos eloquentes não mais lhe perguntaram pelos “vizinhos”. Pela comunicação apelidada de social, soube que a empresa onde trabalhava um casal amigo, ambos engenheiros, ia deslocalizar-se para a China.

Do sector financeiro à indústria e comércio os despedimentos colectivos surgiam em catadupa. Amoleceu o ar empertigado de yuppie triunfante e, de semblante carregado, reflectia a intranquilidade envolvente. É certo que tinha algum património e com pais e sogros relativamente bem instalados não se antevia, pelo menos de imediato, a viver numa viatura. Mas… e se essas almofadas um dia lhe faltassem?

Pelas manhãs, ao sair para o trabalho, procurava ter a iniciativa de dar os bons dias aos que passou a considerar seus vizinhos, e sentia uma necessidade enorme de com eles entabular conversa. O que lhes teria acontecido, qual a trajectória para tamanho infausto, como encaravam o futuro ou em que lhes poderia ser útil?

Bloqueado, não conseguiu saltar a barreira do medo, medo de ver reflectido o seu futuro na dos seus vizinhos.

O Inverno entristecia a noite com a chuva miudinha puxada a vento. Ao regressar a casa, deparou com a polícia municipal a rebocar todos os veículos mal estacionados. O carro dos seus vizinhos já lá não estava.

Deixou de ter um espelho; ficou com um pesadelo.

Pois é!

1 comentário:

Graciete Rietsch disse...

Texto tão lindo e tão doloroso!!!!!
É aquilo a que esta maldita política subordinada ao grande capital está a fazer à HUMANIDADE.
Um abraço.