domingo, 3 de junho de 2018

Os jesuitas

O PCP viu chumbada pela ‘geringonça PS/PSD/CDS’ a sua proposta de 35 horas semanais
 
OS JESUÍTAS

“Espécie de bolos folhados com recheio, em forma de triângulo isósceles.” (de - O Pasteleiro e a Geometria)

Na fábrica, devido a um atraso na entrega de materiais, dispensaram-na mais cedo. O almoço havia sido magro. Estava cansada, não propriamente uma fatiga física; sentia-se abatida, prostrada, envolta numa preocupação que a apertava, um mal-estar indefinido.

Entrou na leitaria, sentou-se e pediu uma bica para justificar a ocupação da mesa. Apetecia-lhe um bolo, mas preferia partilhar esse prazer logo que o filho chegasse da escola. Tinha que esperar ainda duas horas por ele e... tanto para fazer em casa!...

Deu por si a mexer o café e, só depois, se apercebeu que se esquecera de o açucarar. Como é costume dizer-se, “não estava lá.” Não!

Procurava encontrar solução para o resto da semana em que muito provavelmente não poderia ir esperar o filho à saída da escola, e também não o deixaria assim ao deus-dará!

Enquanto cismava, reparou numa travessa de jesuítas no balcão-vitrina, brilhantes, apetecíveis. Resistiu à tentação, havia prometido a si mesma esperar pelo filho.

Entretanto, ia tentando lembrar-se de alguém que a pudesse ajudar, mas sem resultado. O marido trabalhava longe, estava a prazo e procurava assegurar o emprego e também não tinha hora certa de saída.

Como? Quem?! 

Invadia-a uma grande debilidade, sentiu-se desfalecer. Pensou que fosse fraqueza.

Voltou a olhar para os jesuítas. Porquê jesuítas? - procurava abstrair-se da sua principal preocupação jogando com as palavras - Poder-lhe-iam ter chamado “loiolas”, “hipócritas” ou “ardilosos”.

Mas a obsessão voltava cada vez com mais intensidade: o horário flexível, o filho e a impossibilidade de o acompanhar à escola e... os jesuítas.

Na mesa ao lado uma senhora lamentava-se: O marido, motorista do senhor ministro, chegava a desoras a casa porque tinha que levar os meninos à piscina.

Uma necessidade de respirar fundo e um aperto dorido no peito sufocava-a. Pediu um copo com água sem já ser ouvida; suores frios, sons distantes, um clarão e as trevas.

De imediato, todos se inquietaram com o episódio, ninguém no café deixou de manifestar a sua preocupação, dar os seus palpites, chamar o 112, obrigá-la a beber o inevitável copo de água, lamentar o sucedido.

De consciência tranquila, cada qual levou para casa um episódio que relatou à sua maneira, fazendo jus, certamente, à participação no incidente.

Se a algumas das prestimosas criaturas, lhes tivessem dito que este era um dos muitos resultados do ‘banco de horas’, esgueirar-se-iam cobardemente porque não há ninguém que se não sinta comprometida.

É muito mais cómodo chamar o 112 ou dar um copo de água, sobretudo a alguém que só tem sede de justiça.

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