A mente humana como um campo de batalha.
Revolução tecnológica e guerra de redes
Por Matías Caciabue (*)
Golpes suaves, manipulação informativa e
guerra jurídica (lawfare)
são instrumentos de uma estratégia
militar definida como soft-power. O soft-power é a estratégia central da net-war, guerra de redes,
assim definida pela RAND Corporation,
uma fábrica de ideias das forças armadas estado-unidenses.
Esse tipo de guerra, quando incorpora
elementos da estratégia de hard-power, isto é,
quando necessita do uso de instrumentos militares, de segurança ou paramilitares, torna-se em
guerra de enxameação (swarming).
A
guerra de redes baseia-se na estruturação de unidades de combate autónomas e
disseminadas que se dedicam ao ataque a um objetivo comum. Essas unidades são
coordenadas para atacar a partir de múltiplas direções e dimensões, com o objetivo
de destruir a vontade de lutar, a unidade e a coesão do inimigo.
Na guerra das redes, as fronteiras entre
guerra e paz tendem a desaparecer, e cada mente humana converte-se num campo de
batalha.
Provavelmente, a tentativa de assassinar
o presidente venezuelano Nicolás Maduro é o sinal mais claro do advento de um
momento político-militar ("em rede") para toda a região. O
ataque com drones de última geração "DJI M600", a posterior
relativização mediática do facto, que deixou no esquecimento uma caterva de
notícias mal-intencionadas, indica a aplicação mais devastadora desse novo tipo
de guerra nos povos latino-americanos.
Esse modo de conceber a guerra surge da
consolidação da quarta revolução industrial, desencadeada pela implementação
generalizada de novas tecnologias de informação e comunicação (TICs)
em todas as áreas da vida social.
O materialismo histórico indica que as
mudanças nas forças produtivas provocam mudanças nas relações sociais de
produção e, as últimas têm um elo dialético com a forma de organização da
política.
Assim como a sociedade da " fábrica
da grande indústria" é a base do poder dos grandes sindicatos e dos
partidos policlassistas, a configuração de rede do capitalismo contemporâneo
reúne uma série de mudanças substanciais na organização do social, do político
e do político militar.
Nos seus “Cadernos do Cárcere”, Antonio Gramsci enunciou
uma das suas teses mais relevantes, que se referia à famosa "passagem
da guerra do movimento (e do ataque frontal) à guerra de posição também no
campo político" .
Em pleno século XXI, com a revolução
tecnológica estruturando uma nova fase do sistema capitalista, devemos nos
encorajar a estudar, a transição da guerra de posições para a guerra de redes,
também no campo da política.
Poderíamos afirmar que, assim como o
"assalto ao palácio de inverno" foi superado na sociedade do
capitalismo industrial do pós-guerra, a "ocupação das posições e
trincheiras" poderia estar ficando na obsolescência neste século XXI.
Com base na "revolução das TIC’s"
está-se a expandir uma nova superestrutura social, longe das formas verticais e
hierárquicas que caracterizavam a era industrial. Está
configurado, diante dos nossos olhos, uma sociedade organizada em rede.
Esta "nova" forma de
organização social não é neutral nem pública: dentro da concentrada e
centralizada rede financeira, os "Big Five" do setor de tecnológico, impuseram o seu domínio.
Como bem indica Florencia Paz Landeira num
artigo na Revista argentina
"MU", "há dez anos, a lista das cinco maiores empresas
do mundo, de acordo com a capitalização de mercado, era composta pelas
Microsoft, Exxon Mobil, General Electric, Citigroup e Shell Oil. Destes, apenas a Microsoft
persiste. As outras quatro foram substituídas pela Apple, Alphabet
(empresa-mãe do Google), Amazon e Facebook ". Por
outro lado, a cubana Rosa
Miriam Elizalde destaca que "só existem apenas 16 países
com um PIB igual ou superior ao valor de mercado atual da Apple".
A rede de capital financeiro
transnacional impulsiona o desenvolvimento de uma "democracia de mercado
global", com as grandes empresas de tecnologias conversas em
"mega-intermediários" corporativos de uma cidadania sonhada sem
causas, sem pátria e sem bandeira.
Nas redes de Internet, não só se
constrói uma nova forma de relacionamento entre as pessoas, mas também, e além
do mais, também se prefigura o vínculo entre os indivíduos e a realidade em que
vivem. Noutras palavras, a
"revolução das TIC’s" está impondo uma mudança no "como
pensa" e no "que faz" nas classes sociais subalternas.
Nesse sentido, as pessoas são
organizadas e vigiadas no território virtual a partir do que poderíamos denominar
de "tribos", isto é, comunidades de interesses homogéneos.
Enxurradas de informação falsa - ou "fakenews" - são lançadas no território virtual, sem ter em
conta a sua correlação com a realidade, mas sim, como reage cada uma dessas
tribos.
Para tal, utiliza-se uma estratégia de
marketing chamada "storytelling"
(contar histórias). Nesta estratégia comunicacional,
nenhum conteúdo está completo. É uma história que apresentam
de uma forma muito simples, mas segmentada, por exemplo, "lutar contra a
ditadura faz de si um herói", e logo outra pequena história que diz
"Maduro é um ditador". Múltiplas mensagens são
geradas, articuladas apenas no inconsciente das pessoas, para impor um
"sentido comum" construído milimetricamente.
A Utilização do Big
Data permite a classificação dos perfis de
cada pessoa, comas suas diferentes preferências e interesses, para que a
"estória contada" vá mais além da posição política e ideológica que
cada indivíduo alegue sustentar.
Nas guerras de redes, as elites económicas
(e políticas), em mais de uma ocasião, conduzem os indivíduos desde o virtual
ao real, colocando-os em posição de provocar arruaças (atos, mobilizações, guarimbas).
Qual unidade de infantaria, os
indivíduos são atores de uma guerra da qual, não só, não conhecem as motivações
(casus belli), como nem
sequer são capazes de reconhecer os seus próprios oficiais: os thinktanks articulados dentro da rede financeira, localizados
por detrás dos governos das direitas, das corporações mediáticas, da vigilância
e do controle estratégico das redes de Internet. Em
relação a este último, são esclarecedoras as denúncias de intervenção eleitoral
que pesam sobre "Cambridge Analytica" - incluindo na Argentina em 2015.
Mas as ruas não são fáceis de controlar. Sempre
foram o território onde as classes subalternas expressaram os seus níveis de
organização, autoconsciência e homogeneidade em relação ao que acontece.
Sem
isto, as pessoas não podem projetar a construção da organização social e
política que permita construir uma mudança nas estruturas sociais que
confrontam exploradores e explorados.
Assim sendo, precisamos de fortalecer a
rede do popular, moldar e fortalecer uma força social com uma iniciativa
política baseada num programa de classe. Ligar-se no virtual e implantar-se no
social, gerando uma maior capacidade de influência para intervir com sucesso no
processo de desenvolvimento no conjunto das lutas sociais e políticas do nosso
continente.
Torna-se imprescindível a reflexão e
debate sobre esta "guerra de redes". Os povos devem romper a
manipulação sobre as nossas subjetividades e continuar construindo o destino da
sua própria emancipação.
(*) Bacharel em Ciências Políticas (UNRC), aluno da
Especialização em Pensamento Nacional e Latino-Americano (UNLa), redator-investigador
argentino do Centro Latino-americano de Análise Estratégica (CLAE,
www.estrategia.la). Artigo elaborado em colaboração com a
revista La Correo (www.lacorreo.com).
Trad. C.S.
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