quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

A mente humana como um campo de batalha.


A mente humana como um campo de batalha.

Revolução tecnológica e guerra de redes

Por Matías Caciabue (*)

Golpes suaves, manipulação informativa e guerra jurídica (lawfare) são instrumentos de uma estratégia militar definida como soft-power. O soft-power é a estratégia central da net-war, guerra de redes, assim definida pela RAND Corporation, uma fábrica de ideias das forças armadas estado-unidenses.

Esse tipo de guerra, quando incorpora elementos da estratégia de hard-power, isto é, quando necessita do uso de instrumentos militares, de segurança ou paramilitares, torna-se em guerra de enxameação (swarming).

A guerra de redes baseia-se na estruturação de unidades de combate autónomas e disseminadas que se dedicam ao ataque a um objetivo comum. Essas unidades são coordenadas para atacar a partir de múltiplas direções e dimensões, com o objetivo de destruir a vontade de lutar, a unidade e a coesão do inimigo.

Na guerra das redes, as fronteiras entre guerra e paz tendem a desaparecer, e cada mente humana converte-se num campo de batalha.
Provavelmente, a tentativa de assassinar o presidente venezuelano Nicolás Maduro é o sinal mais claro do advento de um momento político-militar ("em rede") para toda a região. O ataque com drones de última geração "DJI M600", a posterior relativização mediática do facto, que deixou no esquecimento uma caterva de notícias mal-intencionadas, indica a aplicação mais devastadora desse novo tipo de guerra nos povos latino-americanos.

Esse modo de conceber a guerra surge da consolidação da quarta revolução industrial, desencadeada pela implementação generalizada de novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) em todas as áreas da vida social.

O materialismo histórico indica que as mudanças nas forças produtivas provocam mudanças nas relações sociais de produção e, as últimas têm um elo dialético com a forma de organização da política.

Assim como a sociedade da " fábrica da grande indústria" é a base do poder dos grandes sindicatos e dos partidos policlassistas, a configuração de rede do capitalismo contemporâneo reúne uma série de mudanças substanciais na organização do social, do político e do político militar.

Nos seus “Cadernos do Cárcere”, Antonio Gramsci enunciou uma das suas teses mais relevantes, que se referia à famosa "passagem da guerra do movimento (e do ataque frontal) à guerra de posição também no campo político" .

Em pleno século XXI, com a revolução tecnológica estruturando uma nova fase do sistema capitalista, devemos nos encorajar a estudar, a transição da guerra de posições para a guerra de redes, também no campo da política.

Poderíamos afirmar que, assim como o "assalto ao palácio de inverno" foi superado na sociedade do capitalismo industrial do pós-guerra, a "ocupação das posições e trincheiras" poderia estar ficando na obsolescência neste século XXI.

Com base na "revolução das TIC’s" está-se a expandir uma nova superestrutura social, longe das formas verticais e hierárquicas que caracterizavam a era industrial. Está configurado, diante dos nossos olhos, uma sociedade organizada em rede.

Esta "nova" forma de organização social não é neutral nem pública: dentro da concentrada e centralizada rede financeira, os "Big Five" do setor de tecnológico, impuseram o seu domínio.

Como bem indica Florencia Paz Landeira num artigo na Revista argentina "MU", "há dez anos, a lista das cinco maiores empresas do mundo, de acordo com a capitalização de mercado, era composta pelas Microsoft, Exxon Mobil, General Electric, Citigroup e Shell Oil. Destes, apenas a Microsoft persiste. As outras quatro foram substituídas pela Apple, Alphabet (empresa-mãe do Google), Amazon e Facebook ". Por outro lado, a cubana Rosa Miriam Elizalde destaca que "só existem apenas 16 países com um PIB igual ou superior ao valor de mercado atual da Apple".

A rede de capital financeiro transnacional impulsiona o desenvolvimento de uma "democracia de mercado global", com as grandes empresas de tecnologias conversas em "mega-intermediários" corporativos de uma cidadania sonhada sem causas, sem pátria e sem bandeira.

Nas redes de Internet, não só se constrói uma nova forma de relacionamento entre as pessoas, mas também, e além do mais, também se prefigura o vínculo entre os indivíduos e a realidade em que vivem. Noutras palavras, a "revolução das TIC’s" está impondo uma mudança no "como pensa" e no "que faz" nas classes sociais subalternas.
Nesse sentido, as pessoas são organizadas e vigiadas no território virtual a partir do que poderíamos denominar de "tribos", isto é, comunidades de interesses homogéneos.

Enxurradas de informação falsa - ou "fakenews" - são lançadas no território virtual, sem ter em conta a sua correlação com a realidade, mas sim, como reage cada uma dessas tribos.

Para tal, utiliza-se uma estratégia de marketing chamada "storytelling" (contar histórias). Nesta estratégia comunicacional, nenhum conteúdo está completo. É uma história que apresentam de uma forma muito simples, mas segmentada, por exemplo, "lutar contra a ditadura faz de si um herói", e logo outra pequena história que diz "Maduro é um ditador". Múltiplas mensagens são geradas, articuladas apenas no inconsciente das pessoas, para impor um "sentido comum" construído milimetricamente.

A Utilização do Big Data permite a classificação dos perfis de cada pessoa, comas suas diferentes preferências e interesses, para que a "estória contada" vá mais além da posição política e ideológica que cada indivíduo alegue sustentar.

Nas guerras de redes, as elites económicas (e políticas), em mais de uma ocasião, conduzem os indivíduos desde o virtual ao real, colocando-os em posição de provocar arruaças (atos, mobilizações, guarimbas).
Qual unidade de infantaria, os indivíduos são atores de uma guerra da qual, não só, não conhecem as motivações (casus belli), como nem sequer são capazes de reconhecer os seus próprios oficiais: os thinktanks articulados dentro da rede financeira, localizados por detrás dos governos das direitas, das corporações mediáticas, da vigilância e do controle estratégico das redes de Internet. Em relação a este último, são esclarecedoras as denúncias de intervenção eleitoral que pesam sobre "Cambridge Analytica" - incluindo na Argentina em 2015.

Mas as ruas não são fáceis de controlar. Sempre foram o território onde as classes subalternas expressaram os seus níveis de organização, autoconsciência e homogeneidade em relação ao que acontece. Sem isto, as pessoas não podem projetar a construção da organização social e política que permita construir uma mudança nas estruturas sociais que confrontam exploradores e explorados.

Assim sendo, precisamos de fortalecer a rede do popular, moldar e fortalecer uma força social com uma iniciativa política baseada num programa de classe. Ligar-se no virtual e implantar-se no social, gerando uma maior capacidade de influência para intervir com sucesso no processo de desenvolvimento no conjunto das lutas sociais e políticas do nosso continente.

Torna-se imprescindível a reflexão e debate sobre esta "guerra de redes". Os povos devem romper a manipulação sobre as nossas subjetividades e continuar construindo o destino da sua própria emancipação.
          
 (*) Bacharel em Ciências Políticas (UNRC), aluno da Especialização em Pensamento Nacional e Latino-Americano (UNLa), redator-investigador argentino do Centro Latino-americano de Análise Estratégica (CLAE, www.estrategia.la). Artigo elaborado em colaboração com a revista La Correo (www.lacorreo.com).

Trad. C.S.

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