domingo, 19 de novembro de 2023

Quadro de guerra - Luís Carapinha

Quadro de guerra

Gaza está trans­for­mada na re­a­li­dade dan­tesca de múl­ti­plas Guer­nicas

O risco de alas­tra­mento da guerra no Médio Ori­ente, fruto da acção ge­no­cida do Es­tado si­o­nista de Is­rael  na Pa­les­tina é um dos temas em foco da agenda in­ter­na­ci­onal, na se­mana em que se anuncia o en­contro de Biden e Xi em São Fran­cisco, à margem da Ci­meira da APEC (Co­o­pe­ração Eco­nó­mica Ásia-Pa­cí­fico). Na úl­tima se­mana, os mi­nis­tros dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros do G7 e o alto re­pre­sen­tante da UE para a po­lí­tica ex­terna, reu­nidos no Japão, deram aval à con­ti­nu­ação do mas­sacre de Is­rael da po­pu­lação da Faixa de Gaza, re­jei­tando o clamor que cresce no mundo de um cessar-fogo ime­diato.

Von­tade es­ma­ga­dora que se re­flectiu, em par­ti­cular, no iso­la­mento dos EUA e Is­rael nas úl­timas vo­ta­ções na As­sem­bleia Geral da ONU. A co­ber­tura e apoio do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano é fun­da­mental para Is­rael con­ti­nuar a exibir a mais in­fame im­pu­ni­dade e elevar a fas­quia da po­lí­tica cri­mi­nosa de ocu­pação para o nível da bar­bárie. Com Gaza trans­for­mada na re­a­li­dade dan­tesca de múl­ti­plas Guer­nicas, a sanha fas­cista de Is­rael in­ten­si­fica-se também na Cis­jor­dânia. Ao mesmo tempo, entre os cró­nicos cúm­plices de Tel Aviv cresce a pre­o­cu­pação com os danos re­pu­ta­ci­o­nais e ci­mentam-se as sus­peitas de que as se­quelas po­lí­ticas da ac­tual mons­tru­o­si­dade po­derão ser pro­fundas e pro­lon­gadas.

Nos EUA, a si­tu­ação ad­quire con­tornos ad­versos para a agenda elei­toral de Biden e a es­tra­tégia de guerra hí­brida contra a Rússia (e cor­re­lata fa­lácia do com­bate mun­dial entre de­mo­cra­cias e au­to­cra­cias), como peça cru­cial da grande con­fron­tação com a China, mesmo sa­bendo-se que Washington e o im­pe­ri­a­lismo são o prin­cipal fautor e be­ne­fi­ciário da po­lí­tica de de­ses­ta­bi­li­zação e agra­va­mento da con­fli­tu­a­li­dade in­ter­na­ci­o­nais. Não há como evadir o con­texto de ele­vada tur­bu­lência in­terna e o pro­cesso em curso de re­or­de­na­mento in­ter­na­ci­onal, no pano de fundo do apro­fun­da­mento da crise do ca­pi­ta­lismo e de­clínio eco­nó­mico dos EUA.

Há um ano, o res­pon­sável do Co­mando Es­tra­té­gico do Pen­tá­gono dizia que a crise da guerra na Ucrânia era apenas o «aque­ci­mento» e al­vi­trava que «a grande [crise] está a chegar». Re­feria-se à China. Lembre-se que a dou­trina de se­gu­rança dos EUA, adop­tada por Biden, aponta a Rússia e a China, res­pec­ti­va­mente, como ameaça ime­diata e um de­safio exis­ten­cial – o único país com «in­tenção de re­mo­delar a ordem in­ter­na­ci­onal». Washington pros­segue a pre­pa­ração da etapa pós-aque­ci­mento. Um re­la­tório do Con­gresso do úl­timo mês marca o passo para o quadro es­tra­té­gico da pró­xima dé­cada, em que os EUA e ali­ados de­verão estar pre­pa­rados, pela pri­meira vez, para «deter e der­rotar» duas po­tên­cias nu­cle­ares em si­mul­tâneo, a Rússia e a China. Deste lado do Atlân­tico, a Ale­manha, não obs­tante as perdas eco­nó­micas do ali­nha­mento com os EUA na guerra contra a Rússia na Ucrânia, li­bertou 100 mil mi­lhões de euros para a aqui­sição de novas armas que o mi­nistro da De­fesa, Pis­to­rius, diz des­ti­narem-se a pre­parar o exér­cito para as «fu­turas guerras». Contra quem?

Gu­terres tem razão quando, re­fe­rindo-se ao «pe­sa­delo de Gaza», fala de uma crise de hu­ma­ni­dade. Mas o seu quadro é mais abran­gente e exige cla­reza na iden­ti­fi­cação das suas raízes e forças mo­trizes e co­e­rência na luta que urge travar para evitar a queda no abismo.

 Luís Carapinha


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