O PSD pretende ainda mais repressão laboral que o PS finge rejeitar
a história repete-se: o mau e o bom PIDE
VIDA DE SAPO
Meio-dia. No lamaçal dos feijoeiros, o sapo, ainda ensonado, trabalhava. As formigas, aproveitando os caniços derrubados, encurtavam caminho numa lufa-lufa estonteante. Não muito longe, no brasido do feno, as cigarras espalhavam um cântico acre.
De catadura triste, o jovem sapo, que só de noite trabalhava, cansado por tantas horas suplementares, deteve-se para melhor ouvir a cantoria, sentindo ele, também, vontade de entoar uma modinha.
Quando os sapos cantarem em coro como as cigarras, pensou, quais Chaliapines, farão estremecer o povoado. E, de modo desajeitado sorria, enquanto divagava sobre o que seria a vida, mesmo a de um sapo, se o folgar fosse o justo prémio do seu labor.
“Se o folgar fosse também o justo prémio do labor!…” Este luminoso embrião de consciência surgira não sabe bem como.
Será que a consciência brota da reflexão assim de modo expontâneo, ou tem fortes alicerces em tudo o que nos rodeia, na vida, em suma?
Teria sido esse acto impensado, embora natural, de questionar a existência, que lhe dera o prenúncio de satisfação jamais sentida?
Olhou as formigas e voltou a ficar deprimido. Para quê tanta azáfama? “É uma loucura”, disse a meia voz.
No coaxo do mais velho dos companheiros leu reprovação: “A vida de sapo é como a das formigas, temos outro ritmo mas a mesma sina”. Sentenciou.
O som estridente das cigarras tornara-se-lhe num zunido dorido, frémito insuportável, quase uma maldição. Porque é que as cigarras, nocivas ao agricultor, viviam à tripa forra, enquanto ele trabalhador forçado, de utilidade incontestada tinha sina diferente?
As contradições são o húmus em que melhor se desenvolve e fortalece a consciência. Apercebeu-se que não sendo alheio ao que se passava em seu redor, questionando e questionando-se, tornava-se diferente e nada em seu redor voltava a ser igual.
Pensar, reflectir, que esforço e espinhosa caminhada para o desassossego! Horrível dilema o seu: viver acachapado na dormência de todos os dias, ou sair para a claridade da razão onde habita a intranquilidade?
E tu camponês amigo, companheiro de infortúnio, que pensas de tudo isto? Perguntou o sapo soerguendo-se pela primeira vez.
A minha sorte está ligada à tua, camarada. Com o teu suor o mato hostil dá lugar à horta, pequenos paraísos de onde brotam as novidades que te ajudo a criar, e, não obstante, o nosso fado é só de sofrimento e intranquilidade.
Todos os outros sapos iam queimando a existência como espectadores da vida e de “novelas” imbecis, enquanto as cigarras cantavam.
Em horas de maior sofrimento lamentavam-se, aceitando a dor como um destino, e as cigarras riam.
As “novelas” e o seu próprio viver baixavam ainda mais de nível, levando a que os sapos se imiscuissem em “argumentos” canalhas de uma dita “vida real”, e as cigarras no seu canto de escárnio entravam em delírio.
A culpa não é das cigarras, é de sua natureza cantar. Enquanto não questionarmos a nossa existência, pensou o sapo, as cigarras folgarão sobre o nosso suor. Impunes!
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