Arte de furtar (1652)
Tipo de lábia fácil, insinuante, bem parecido, um tanto macilento, ferrete da última prisão, sentado na mesa junto à minha, onde tomava a bica, tentava vender-me uma ideia genial, um negócio chorudo, uma pechincha.
Admirei o talento que punha na exposição, na quase convicção nos argumentos que utilizava, embora com deficiências naturais de alguém que não havia cursado, de um autodidacta, em suma.
Senti alguma compaixão e, sorrindo, disse-lhe com simpatia que falhara: “O senhor faz-me promessas que de antemão sabe não poder cumprir.”
De chofre, retorquiu: E depois? É algum crime? Reconhece nalgum dos políticos que nos têm governado uma postura diferente da minha e que tivessem sido punidos por semelhante comportamento? Eu sigo a moral vigente. Se o conseguir convencer das minhas patranhas, se aceitar os meus argumentos, se confiar em mim…
Confrontado com tamanha evidência, com flecha tão incisiva, hesitei mas lá fui dizendo que era uma violência feita à credibilidade que lhe concedesse, abuso e agressão à minha boa fé e formação moral.
Empolgante, voltou ao ataque: os políticos de serviço vendem-lhe um produto tal como eu lhe pretendo impingir o meu, o modo de pagamento é que é diferente. Eu cobro-lhe em dinheiro à vista; depois de eleito o politico-governante, cobra-lhe nos impostos, nos serviços a que deveria ter acesso e a que tem direito, nos salários que não chegou a ganhar nos empregos que não conseguiu ou na insegurança e intranquilidade que não tem. Não é maior o logro?
Veja por exemplo: da última vez que fui preso, tentava trocar uma moeda corrente por outra de valor superior; o lesado não perdia mais do que alguns euros. Não é menos prejudicial do que baixarem o poder de compra depois de lhe terem garantido precisamente o contrário ou extorquirem metade do 13º mês depois de afirmarem que tal não aconteceria?
E mais: sempre lhe disseram que, uma vez na UE, com trezentos milhões de clientes para os nossos produtos, teríamos trabalho, relativo bem-estar e uma felicidadezinha pelo menos à nossa medida, no entanto todos os dias há fábricas que fecham e, já há algum tempo, a Reuters revelava um estudo da UE, que ganharíamos com a deslocalização do nosso tecido produtivo para outros países, outros continentes.
Não acha que a venda do prémio da cautela, por metade do seu valor, comparado com os crimes praticados na base destas conclusões, é um episódio que nos faz sorrir pela sua candura?
Um pobre vigarista como eu que luta diariamente pelo seu rouba-pão nosso de cada dia é um querubim comparado com esses falsários.
Olhando-me de frente interrogou: está ou não de acordo?
Hesitei, gaguejei e não encontrei resposta.
Quer um outro exemplo?
- Um grupo de professores universitários há já algum tempo tiraram a gravata e, entre os aperitivos e a lagosta suada, propuseram-se, em bloco, defender a classe operária. Bastava recordar como acabaram todos, absolutamente todos, saídos do mesmo saco, para saber que nos ofereciam um produto que ASAE rejeitaria.
No entanto só eu e os meus colegas somos apodados de vigaristas.
Sabe meu caro senhor; tal como o pequeno comércio que está sendo engolido pelas grandes superfícies, os vigaristas artesãos estão a ser trucidados pelos profissionais encartados, formados pelas grandes escolas de Chicago e com altos cargos nos postos de decisão no país e na EU, e que recusam subvencionar a nossa reciclagem. É o fim!
Com elevada postura despediu-se, e como quem prestou um serviço indicou: pode pagar a minha bica! E adiantou: já agora levo o seu maço de tabaco. Bem-haja!
Pelo menos os vigaristas artesãos agradecem, os profissionais açulam-nos os cães.
1 comentário:
Vá lá, vá lá que se ficou pela bica e pelo maço de tabaco.
Os "outros" são insaciáveis. Mesmo ausentes, vigarizam-te no almoço, no jantar, seja em casa ou no restaurante, nas viagens, seja em transportes públicos ou no combustível e nas portagens, é nas grandes (todas as) superfícies.
É um ver se se aviam...
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