domingo, 22 de setembro de 2019

Semiótica do Demónio Exibir o mal para ocultar a maldade - Por Fernando Buen Abad

Semiótica do Demónio

Exibir o mal para ocultar a maldade

Por Fernando Buen Abad

Nas páginas interiores, o jornal a ‘Jornada do México’ publicou (7 de setembro de 2019), uma notícia inquietante porquanto alude à contratação de um novo exorcista, dado que “o arcebispo reconhece que há muito trabalho para a expulsão de entes malignos”. Tudo, certamente, com a anuência e, talvez a bênção do Vaticano. [1]

Possuídos, como estamos, por todas as abominações engendradas pela ideologia da classe dominante, cabe-nos também carregar com os estragos da maldade personificada no "Demónio". (Satã, Lúcifer...) e uma longa lista de nomes pensados para nos aterrorizar da manhã à noite. Os poderes hegemónicos sabem que os povos assustados controlam-se melhor. É uma História realmente arrepiante.

O demónio, e o conjunto completo dos seus significados, infiltraram-se desde sempre na Cultura e na Comunicação, mas a partir do desenvolvimento dos monopólios mediáticos, ardilosos, deitaram a mão ao Demónio, com fins mais "satânicos". No "imaginário coletivo", desenhado pelos fabricantes do "senso comum", o diabólico passou a ocupar um novo papel como arma da guerra ideológica. Já não é o Satã de Dante, nem o Metistófeles de Goethe, nem o de certas tradições literárias do ente maligno por antonomásia; hoje acrescenta-se à manipulação da imaginação, a sua caracterização de uma forma visível que o poder elege para aterrorizar as suas vítimas. Génio e figura.

Desde que o cinema e a indústria editorial decidiram usar o Diabo, requereram a participação do Vaticano. Não se pode disputar o "negócio" implícito num inimigo tão valioso sem ter conjurado os estragos de uma luta inter-burguesa baseada na competição por um símbolo tão rendível. Por exemplo, para que a Igreja Católica Apostólica e Romana aceitasse exibir o ente maligno infiltrada no corpo de uma menina, que se masturba com um crucifixo e profere carradas de insultos, maldições e denúncias... houve que pactuar com os novos usos de um “brinquedo" simbólico e antigo.

Ganhou dez nomeações para os Óscares, enquanto alguns vetos e proibições só serviram para garantir mais público. Começou como um romance de William Peter Blatty (publicado em 1972) e depois um filme de William Friedkin (1973). Blatty trabalhou como agente de inteligência da aviação, especializado em guerra psicológica. Cada qual pense o que quiser. Anos antes, havia estreado com “êxito” o romance de Ira Levin, que vendeu quatro milhões de exemplares: "O bebê de Rosemary" ou em alguns países da América Latina "A semente do diabo". Propaganda satânica que produziu muito "estrume do diabo". Como o designou o Papa Francisco. [2]

Sinal dos tempos

A caracterização ou formalização (dar forma) do Mal Externo nos corpos de meninas ou meninos, já é em si bastante "diabólico." Há que ter cérebros bastante demoníacos para se sentarem a escrever, linha por linha, as maneiras perversas com que aterrorizar o público e fazer disso grandes negócios e episódios históricos de dominação ideológica. O Diabo, como sinal de classe, engloba vetores "sensoriais" com raízes histórico-culturais muito diversas. A propaganda do mal, por sua vez, é herdeira do maniqueísmo mais desenfreado, numa estratégia que vem sendo a pedra angular das instituições religiosas onde o maligno é indispensável porque sustenta toda a estrutura que luta contra ele, nos campos da ideologia, de certa teologia e não poucos mercantilistas e arrivistas do maligno. E não é um pleonasmo. E, por isso, verifica-se que mesmo Marx é satânico. [3]

O "combate" simbólico contra o mesmíssimo Satã, fundamenta o exorcismo que se encarrega de expulsar o demónio - e seus comparsas – fora das pessoas, dos lugares ou fetiches possuídos pelo "rei da maldade". O exorcista tem o poder de expulsar (poder conferido ou conquistado, conforme o caso) em nome de Deus ou de Cristo e, portanto, é um ato religioso, institucional, muito diferente aos que se conhecem nas práticas que alguns povos nativos praticam contra os males, noutras cosmovisões e axiologias diferentes, e por vezes opostas, às das igrejas e ao Diabo católico. Para ser exorcista estuda-se no Athenaeum Pontificium Regina Apostolorum. Se houver "vocação".

Alguns acreditam que o Diabo é um "anjo caído", que desenvolveu um grande poder inteligente com propósitos malignos; que consegue exercer a sua influência devido aos pecados da humanidade. Hoje há exorcismos cara a cara e também há à distância por televisão. Bastantes igrejas televisionadas exibem orgulhosamente os seus triunfos contra Satanás em canais pagos e em horários nobres. É um demónio que diversificou suas formas de propaganda, que não precisa do corpo de cabra nem de cornos "taurinos". Basta que algum sintoma, alguma coisa estranha, faça suspeitar a sua presença, para que, rapidamente, os crentes peçam ajuda eclesiástica. Custe o que custar.

Assim, entende-se por que o capitalismo identificou o Diabo como um poderoso filão comercial, no qual é possível, ao mesmo tempo, reprimir o comportamento e espremer os bolsos. Entende-se por que os setores mais rançosos das Igrejas aceitaram "compartilhar" os lucros do Diabo e ampliaram os canais da maldade para que os negócios da “luta do bem contra o mal” fiquem entre eles. Na realidade, mais do que Satanás, devemos temer o capitalismo e seus administradores que reinventaram e re-potenciaram toda a noção de maldade para horrorizar as massas. Em face das guerras, os saques bancários, a inflação, o endividamento, as fomes, o desemprego, a exploração dos trabalhadores e as canalhices mediáticas globais (só para citar alguns) as aventuras "perversas" de Satanás parecem "brincadeiras de criança". Assustam mais os tweets de Donald Trump. Temos que inventar novas formas políticas de justiça social como "exorcismo" do século XXI? 



1 comentário:

Olinda disse...

Exibir o mal,mesmo que seja ficcional,distrai os povos para a realidade diabólica dos nossos dias.Buen Abad,interessante,como sempre!Abraço