A América Latina é um imenso vulcão em permanente ebulição,
confirmando a todo o instante o axioma tantas vezes esquecido
“tudo está em devir constante”.
E que Heráclito de Éfeso há cerca de 2500 anos nos
alertou.
As chaves da vitória e os desafios
Por Fernando Buen Abad Domínguez
«Ficou claro que uma vitória retumbante, como a de
Lopez Obrador no México, é a conjugação de pelo menos, três fatores: uma
vinculação permanente e irredutível com as frentes populares de luta; uma
interpretação profunda e dinâmica da inquietação social e uma organização
programática baseada em percorrer metro a metro o território nacional. Tudo isto,
articulado por uma personalidade cuja tenacidade não conhece fadigas. “Às três
é de vez” e assim foi.
A vitória de MORENA-Lopez Obrador é uma rebelião nas entranhas
de uma estrutura democrática gravemente afetada pelo corporativismo
bipartidarista (PRI-PAN) e por uma imensa lista de vícios e corruptelas que
levaram à bancarrota institucional de todo o aparelho político. Uma rebelião
assediada pela violência macabra desencadeada por uma falsa guerra contra o “crime
organizado” que na prática não foi mais que a militarização “encoberta” de todo
o território para colocar a riqueza nacional ao serviço das corporações transnacionais
e seus cúmplices locais. Uma rebelião que teve que superar milhares de
armadilhas e emboscadas em todos os odiosos repertórios de empobrecimento
económico e de guerras psicológica e mediática.
O México sofre a violência do neoliberalismo e os embates
coloniais do império ianque. É um país sequestrado por gerentes – impostos de
modo fraudulento – para fornecer recursos naturais e doar mão-de-obra.
No México, até hoje, ninguém pôde garantir ao povo a
defesa do território e a defesa dos recursos naturais. Ninguém foi capaz de
garantir o exercício independente da justiça. Ninguém conseguiu deter o crime
organizado e suas metástases em todas as estruturas sociais e culturais do
país. Ninguém conseguiu exercer qualquer liderança em questões de democracia
comunicacional. Ninguém foi capaz de garantir o direito à educação, o direito
ao trabalho, o direito à saúde, o direito à alimentação… Ninguém foi capaz de
assegurar a dignidade às pessoas, porque a moral entreguista e rasteira,
adoradora do império ianque, serve de modos ignominioso a opressão. Neste
contexto, López Obrador vence as eleições.
As dificuldades começam agora. López Obrador propõe-se
pacificar o país; terminar com a corrupção e recompor a economia com a dignificação
laboral e salarial. Conseguir a inclusão dos mais desprotegidos e distribuir
equitativamente o orçamento federal. E isso implica derrotar as máfias que sequestraram
o Governo e o Estado para fazer justiça, por exemplo, aos estudantes de Ayotzinapa,
aos povos indígenas e garantir sustentabilidade do trabalho para ampliar a
participação social no governo mobilizado como organizador capaz de congregar
forças que possam oferecer soluções à energia popular que triunfou.
Os desafios são muitos e enormes num país que rasgou
profundamente o tecido social, mas que, apesar dos contratempos, se rebelou
contra o establishment para tornar
visível o seu multiculturalismo e plurinacionalidade junto com as “classes
médias”, conseguindo a maior votação que presidente algum havia alcançado no
México, nem mesmo qualquer outro líder de esquerda.
O México enfrenta o seu futuro imediato mobilizado
como nunca, com as praças cheias, as ruas repletas, com uma mobilização magnífica
que gere ideias emancipadoras. Contra a fraude, contra o saque e contra a
histórica exploração… é uma identidade nova, uma festa que surge da base, uma
situação social inédita. Pode bem ser o nascimento de um novo México, desta vez
decidido pelo povo, com as armas da sua democracia em reparação, com uma moral
renovada, e muita limpidez nos desafios de modo a se preparar para derrotar
qualquer intento de regressão. Neste momento, o México está num momento de
inflexão, um desafio às nossas capacidades de luta e unidade dentro e fora do
país… ponto de inflexão para que nos reconhecermos na tomada do poder impulsionados
com as nossas próprias forças populares, com os trabalhadores do campo e das
cidades… para mudar o sistema e mudar a vida.»
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