sábado, 31 de agosto de 2019

Necessitamos de outra semiótica - Por Fernando Buen Abad

Necessitamos de outra semiótica


Não se podem “deitar foguetes” quando se identifica uma ferramenta científica (ou uma disciplina), como a semiótica, sem perscrutar as suas entranhas teórico-metodológicas e ter encontrado alguns requisitos essenciais para saber ao serviço de quê ou de quem se vai colocar, na teoria e na prática. A base da produção do significado está hoje no debate Capital-Trabalho. 

Não basta invocar a semiótica como atividade científica "interessada pelos sinais", nem é suficiente idear "novas" classificações ou nomenclaturas que se esgotem no âmbito das formas, sem explicar a que corpos semânticos e interesses são tributários. Não é suficiente a pura descrição dos “sinais” se fica órfão da história, contexto e usos, no território das tensões sociais que condicionam o desenvolvimento histórico dos seres humanos. Não é suficiente o "estudo de casos" sem uma exploração profunda dos seus motivos económicos, políticos e culturais. Até hoje, os semiólogos contentaram-se em explicar os sinais - e está certo - mas do que se trata é de transformar os meios e os modos da sua produção. Democratizar o significado. 

Apanhada como foi a semiótica em determinados obscurantismos terminológicos, que a distanciaram da ação direta e transformadora sobre os problemas da Cultura e da Comunicação (tornando-a insuportável para alguns e inexpugnável para outros), é necessário um esforço emancipador para que a semiótica se emancipe também. Emancipá-la do palavreado de certas elites para que se faça carne nas lutas descolonizadoras (como pensava Roberto Fernández Retamar) e se expresse como uma guerrilha (Eco), uma batalha de ideias (Fidel) e uma Revolução capaz de abolir toda a escravidão semântica, sintática e dialógica. Arrebatá-la, também, aos positivistas da “publicística”.

A produção do "significado" é tão velha como a consciência, a consciência prática e real do "significado" que existe apenas para os seres humanos em sociedade e, portanto, começa a existir na construção da comunidade. E a produção de "significado" nasce como a consciência da necessidade expressiva na tensão humana, das relações sociais e suas alterações. Não há emancipação possível da espécie humana, desde que não haja condições iguais para garantir, plena e suficientemente, comida, bebida, habitação e roupas... com qualidade e quantidade suficientes. A emancipação é um facto histórico, não uma ilusão, e só pode ser alcançada quando os modos e meios de produção forem democratizados. Nada disto é obra só do pensamento nem das mil formas de representá-lo. Não é a semiósis (produção de significado) que determina a vida, mas a própria vida que determina a semiósis. 

Os seres humanos são produtores da semiósis. Seres humanos concretos e ativos que se encontram determinados pelas condições sociais predominantes, incluindo as condições impostas pela ideologia da classe dominante. Portanto, cabe ao ser humano produzir todas as ferramentas que sirvam à sua emancipação, não apenas no objetivo... mas também no subjetivo. Esse deveria ser o papel supremo da Semiótica. E para isso é necessário ter em conta a base concreta em que se desenvolvem as suas contradições e desafios, do geral ao particular e vice-versa. O nosso denominador comum global é sofrer o capitalismo, e isso não é só uma calamidade "económica", porque é também uma calamidade ideológica (falsa consciência) e Cultural na medida em que se refere à dominação (lucrativa) das consciências. Embora alguns acreditem, mesmo assim, que é um exagero. 

Não há Semiótica “in vitro” descontaminada ou imaculada. Cada “escola” ou corrente impregnou-a com a sua “tendência” (ainda que o neguem ou o ignorem), seus princípios e objetivos, seus procedimentos e conclusões. Alguns têm a coragem de declarar (com orgulho ou culpa) suas origens e inclinações para o bem ou para o mal, contra ou a favor dos interesses humanos. Mas, em geral, a ética parece ser uma disciplina frequentemente ausente na maioria dos produtos da Semiótica. Isso deve mudar muito em breve. 

É urgente organizar uma ação conjunta, com uma base humanista sólida e de novo género (isto é, não individualista nem mercantilista). Podíamos coincidir em caracterizar as propriedades semânticas com as quais o capitalismo construiu a sua semiosfera planetária. Poderíamos coincidir na construção, participativa e aberta, de um mapa mundial da semântica dominante em que identificaríamos os núcleos duros da colonização mental que destroem as cabeças dos seres humanos. Produzir consensos sobre as ameaças e os enganos que nos atordoam com as suas constantes falsidades com o fim de nos desmoralizar, desmobilizar e empobrecer. Identificar o modo de produção do sentido subordinado pela mentalidade burguesa para que os povos escravizados não vejam e lhes agradeçam e considerem uma grande herança para sua prole. "Conspiranoia?" "Cambridge Analytica", NATO, CIA, Mossad, "armas de destruição em massa"... É pouco científico e demasiado político? 

Precisamos de outra Semiótica, que desta vez seja útil para descodificar todas as artimanhas semânticas e sintáticas da classe dominante, para aclarar os núcleos ideológicos e a servidão dos "especialistas" que se deixam assalariar para a escravidão das consciências. E, principalmente, engendrar todas as ferramentas descolonizadoras que são indispensáveis ​​para consolidar a aspiração a uma nova produção de sentido legal e legítimo, obra de uma espécie humana disposta a lidar, principalmente, com a emancipação de todos os escravizados: sem amos, sem classes sociais sem dificuldades pré-fabricadas. Produzir ferramentas globais de emancipação em massa. É pedir muito? 

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