“AQUELA NOITE DE NATAL”
“porque los
que son guerreros
verdaderos
no descansan descansando.”
[Tragicomédia de Amadis]
Gil Vicente
Nos livros de José Casanova, ao
rancor não é dado espaço porque a ternura pelos outros é de tal forma intensa
que a própria animosidade, mesmo a mais subtil, não encontra lugar na sua
escrita.
Os seus livros revelam-nos também
que a liberdade nunca nos foi entregue de bom grado pelos seus algozes; só
homens e mulheres de ideais firmes e de coerência aferida na luta e estruturada
pelo sofrimento onde se arriscava a vida, perdendo-a por vezes, a conseguiram
resgatar.
Como eram e como se movimentavam
essas mulheres e esses homens que, num total anonimato, “não descansavam
descansando”? Quem foram esses “guerreiros verdadeiros” que ajudaram a abrir as
janelas da liberdade? Na verdade, a mais elementar justiça impõe-nos
conhecê-los e com eles comungar a beleza da sua abnegação, por havermos colhido
o saboroso fruto dessa difícil seara luminosa.
Ao ler “Aquela Noite de Natal”,
sentimos que todo o nosso porvir repousa e será fruto das nossas profundas
convicções e da determinação em concretizá-las; se assim o entendermos,
sentiremos a tranquilidade dos que se constroem construindo e
empenhar-nos-emos, até às derradeiras consequências, na edificação de uma
sociedade onde a justiça e o amor sejam possíveis.
José Casanova, escritor que se
afirma numa temática de esperança, desprendimento e total entrega a valores que
só vividos são possíveis de revelar tão intensamente, abre-nos horizontes em
que a realidade e a ficção se confundem e a emoção nos perturba.
E porque todo o enredo se passa nas
poucas horas que antecedem a mística ou mítica refeição, neste seu livro, o
simbolismo da consoada vai para além do clã familiar, e do ameno recolhimento
que a noite protege: e o amor e a solidariedade saem para a rua, melhor
dizendo, para a realidade cinzenta e fria.
A trama tem, assim, como fio
condutor o amor que, por vezes, se eleva na sua sublime tecedura ficcional, ao
nível dos melhores e mais fortes ideais.
Seguindo os passos e os temores das
personagens de José Casanova, somos também enlevados pelos aromas tradicionais
das refeições natalícias, onde, com minúcia e desvelo, os pormenores da sua
feitura não são deixados ao acaso. Visitamos a Lisboa baça dos anos sessenta e
convivemos com personagens características desses tempos. Somos confrontados
com gente insegura que sofre pela debilidade que não consegue ultrapassar, e
também com aqueles cuja firmeza nos transmite o equilíbrio necessário para
cumprir uma escala de valores que nos eleve.
As figuras criadas por Casanova
transmitem-nos também uma profunda confiança no ser humano – que tantas vezes
nos desilude – e porque jovens são as principais personagens é-lhes dado o
lugar que lhes compete, o de continuadores desta epopeia sublime: a da
construção de uma sociedade onde se viva com dignidade.
Este é, pois, um livro que se lê com
entusiasmo e relê com emoção; ao oferecê-lo cumprimos um gesto de amizade e
tecemos um fio de cumplicidade e amor.
Cid Simões
(crónica lida na Rádio Baía)
1 comentário:
Conheci e convivi com o Zé nas iniciativas de solidariedade com Cuba.Por isso,mas nem só,apreciei o texto com emoção.Muito bom.Abraço
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