Memórias de um Congressista da FIL
Valdemar Santos 31/01/2019
O fervilhar da Venezuela tal como irrompe para fora
dos estúdios – ou seja: das Redacções – das televisões portuguesas (são as que
minimamente vemos e ouvimos) aqueceu um convívio de gente da velha guarda e,
entre damas a jogar, fez com que um dos presentes perguntasse: «Mas isto não
faz lembrar a raspadela do Soares pró Porto?»
«Conta lá essa», solicitaram-lhe. «Estou a recordar-me
de um livro do Álvaro Cunhal, e se calhar ouvi-o num Congresso em Lisboa»,
respondeu.
De permeio a curiosidade move alguém, que procura e
acha.
«O PCP lutou contra o facto de que, em determinado
período, a Constituinte fazia tudo menos trabalhar na elaboração da
Constituição. Ao mesmo tempo que se caminhava a passo de caracol (e em longos
períodos nem isso), na elaboração da Constituição, o PS, o PSD e o CDS
pretenderam anticonstitucionalmente e contra o Pacto com o Movimento das Forças
Armadas (MFA) que haviam assinado, transformar a Assembleia Constituinte num
órgão de soberania, contrapô-la ao Governo e ao Conselho da Revolução, torná-la
uma “alternativa” para os órgãos que invocavam não uma legitimidade
constitucional, mas uma legitimidade revolucionária».
«… Para isso, Freitas do Amaral entendia necessário
“funcionar desde já a Assembleia Constituinte como Parlamento (7-8-1975). Para
isso, no auge da crise político-militar, a Assembleia Constituinte tomou
medidas preparatórias da sua transferência para o Norte, com o propósito
evidente de cobrir com a “legitimidade democrática e constitucional” um golpe
armado vindo daquela zona do País” (Álvaro Cunhal, «A Revolução Portuguesa, o
Passado e o Futuro», Relatório aprovado pelo Comité Central do PCP para o VIII
Congresso, na FIL, em Lisboa, Edições Avante!, 1976, pag. 185).
«Para o Porto não foi a Assembleia mas foi Soares… que
confessa que “talvez uma semana antes do 25 de Novembro, o então
Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, (James Callaghan) enviava-me um oficial do
Intelligence Service que eu, através de Jorge Campinos, apresentei aos
militares operacionais que entretanto tinham começado a gizar o seu plano
militar”»… e daí invadirem a “Comuna de Lisboa”.
«A consumar-se a divisão entre o Norte e o Sul do
país, o Reino Unido não só nos apoiaria politicamente, como colaborava ainda
com Portugal através de apoios concretos… Prometeram-nos fazer chegar rapidamente
ao Porto combustível para aviões e também armamentos» (e dinheiro, mas… estes
dois últimos parágrafos são de Maria João Avillez, «Soares, Ditadura e
Revolução», 1996, Edição CL, no contexto do Avante! de 5 de Dezembro de 2013,
«Temas, a verdade dos factos 2»).
Óbviamente que as situações em Portugal no início da
contra-revolução capitalista, latifundista e imperialista e na Venezuela dos
dias que correm são muito diferentes, mas o congressista da FIL deu um passo em
frente, afirmou-se solidário com Nicolás Maduro empossado Presidente da
República a 10 de Janeiro passado pelo Supremo Tribunal de Justiça perante
milhões de venezuelanos e delegações de meia centena de países e organizações
internacionais, para além de representações de forças políticas de 94 países,
de que foi exemplo o PCP na pessoa de João Pimenta Lopes, deputado no
Parlamento Europeu e Vice-Presidente da delegação à Assembleia Parlamentar
Euro-Latino-Americana. Acresce-se que a inadmissível ausência do Governo
português, subordinado à União Europeia e à estratégia de desestabilização da
Venezuela (Avante! de 24 de Janeiro, «É fundamental prosseguir a solidariedade
com a Revolução Bolivariana») só espantaria se os acontecimentos de 1975 não
lhe estivessem já umbilicalmente ligados
1 comentário:
Só por acaso li a crónica do Valdemar.Não morro de amores pelo jornal.Já hoje estive com o Valdemar e esqueci-me de lhe dar os parabéns.Também gostei da analogia.Abraço
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