sexta-feira, 31 de agosto de 2018

A propósito… “Havia um país onde todos eram ladrões.”

A Ovelha Negra

Havia um país onde todos eram ladrões. À noite, cada habitante saía com a gazua e a lanterna, e ia roubar a casa de um vizinho. Regressava de madrugada, carregado, e encontrava a sua casa vazia.
E assim todos viviam em concórdia e sem se lastimarem, pois um roubava o outro, e este, um terceiro, e assim por diante, até que se chegava ao último que roubava o primeiro. O comércio naquele país só era praticado como trapaça, tanto por quem vendia como por quem comprava. O governo era uma associação de delinquentes vivendo à custa dos súbditos, e os súbditos por sua vez só se preocupavam em fraudar o governo. Assim a vida prosseguia sem tropeços, e não havia nem ricos nem pobres.

Não se sabe como aconteceu, mas neste país havia um homem honesto. À noite, em vez de sair com o saco e a lanterna, ficava em casa a fumar e ler romances. Vinham os ladrões, viam a luz acesa e não entravam.

Essa situação durou pouco: pois foi preciso fazê-lo compreender que, se queria viver sem fazer nada, não era razão para impedir que os outros não trabalhassem, pois cada noite que ele ficava em casa era uma família que não comia no dia seguinte.

Diante desses argumentos, o homem honesto não se podia opor. E começou também a sair de noite para voltar de madrugada, mas não andava a roubar. Era honesto, não havia nada a fazer. Ia até à ponte ver a água a correr. Voltava a casa e encontrava-a vazia.

Em menos de uma semana o homem honesto encontrava-se sem um tostão, sem comida e sem nada em casa. Mas até aí tudo bem, porque era culpa sua; o problema estava em que o seu comportamento criava grande confusão. Porque se ele se deixava roubar e não roubava, havia sempre alguém que voltando para casa de madrugada, encontrava a casa intacta: a casa que o homem honesto devia ter roubado.

Deste modo, os que não eram roubados ficavam mais ricos que os outros e passaram a não querer roubar. E, além disso, os que vinham para roubar a casa do homem honesto encontravam-na sempre vazia; ficando cada vez mais pobres.

Entretanto, os que enriqueceram habituaram-se, eles também, a ir de noite até a ponte, para ver a água passar. Isso aumentou ainda mais a confusão, pois muitos outros ficaram ricos e muitos outros empobreceram.

Ora, os ricos perceberam que, indo de noite até à ponte, mais tarde ficariam pobres. E pensaram: “paguemos aos pobres para irem roubar para nós”. Fizeram contratos, estabeleceram-se salários, percentagens e, naturalmente, continuaram a ser ladrões procurando enganarem-se uns aos outros, mas como sempre acontece, os ricos tornavam-se cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

Havia ricos tão ricos que já não precisavam de roubar nem de mandar roubar para continuarem a ser ricos. Mas, se deixassem de roubar, ficariam pobres porque os pobres os roubariam. Então pagaram aos pobres entre os mais pobres, para defenderem os seus bens dos outros pobres, e assim instituíram a polícia e construíram as prisões.

Deste modo, poucos anos depois do aparecimento do homem honesto, não se falava de roubar ou de ser roubado, mas somente de ricos e pobres. E, no entanto, continuavam todos a serem ladrões.

Honesto, tinha havido aquele, mas que morreu de fome.
.
A Ovelha Negra é um conto de Ítalo Calvino, extraído do livro Um general na biblioteca.



Sem comentários: