terça-feira, 5 de março de 2019

Moral e Humanismo - Dr. Fernando Buen Abad Domínguez



(David Alfaro Siqueiros. Entrega de brinquedos. Óleo sobre madeira. 1961.)

Moral e Humanismo

(Na Quarta Transformação do México)

Toda a ação política leva em si a filosofia real, com as contradições de cada sistema em que se produz. Nela, residem os embriões da história e, algumas vezes, dos povos que desenvolveram consciência crítica da realidade que os rodeia e consciência proactiva das tarefas que têm diante de si para a transformar. Nesses embriões, identifica-se a substância, na luta da vida Moral que se requer emancipada. Não há que temê-la. Mas para alguns, o desejável é negar à Moral todo o espaço no debate social. Isso molesta-os porque os incomoda.

Não poucos tendem a ridicularização negacionista e esmeram-se em fazer-se passar por "seres sobrelevados" que prescindem da Moral, porque é "velha", "inútil", "enfadonha" ou "reacionária". Mas o problema é muito diferente.

Andrés Manuel López Obrador convida à criação de uma "Constituição Moral" que terá de se comportar como um "guia de valores" para incidir nas práticas dinamizadoras da "Quarta Transformação do México". Trata-se de afirmar novos paradigmas de conduta, dinamizados pelo povo mexicano contra o cenário macabro e o desregramento social deixado pelo neoliberalismo. É uma iniciativa contra o horror da pobreza, da violência e da corrupção "adaptados" pelo sistema económico burguês que atacou selvaticamente um povo multicultural e o submeteu aos piores canalhas da exploração. Povo que foi oprimido e humilhado, despojado de educação, de saúde, moradia, trabalho e, além disso, foi esmagado com o alcoolismo, a droga, o machismo... e a Guerra Mediática dos monopólios privados. A barbárie ideológica no seu esplendor.

A ideia de uma "Constituição Moral" baseada em valores democráticos, laicos e republicanos, tem como base o desafio de operar no coração da luta de classes, não como um paliativo carregado de "boas intenções", mas como um programa político emancipador capaz de caracterizar, com toda precisão, as perversões objetivas da ideologia da classe dominante e suas expressões concretas no saque das riquezas naturais e da riqueza produzida pelos trabalhadores. É por isso que os novos "Porfirio Días" já atualizam a verborreia desqualificadora (dizem que Moral é uma árvore que dá amoras) e apressam-se a ridicularizar o projeto López Obrador e o seu papel desmobilizador de valores e ações que se converterão em consciência colectiva até numa nova etapa histórica, política, económica e anímica objetivada nas novas práticas que recuperem o melhor de nossa história, mas, principalmente, consolide melhores padrões de conduta dignificante e emancipadora.

Tudo isso implica arrebatar à oligarquia mexicana o seu controle material e subjetivo sobre a classe trabalhadora (camponesa e indígena) e consolidar bases de convivência nacional sem opressores nem oprimidos, fortalecer a unidade dos mexicanos, redefinir o internacionalismo, reconhecer a pluralidade de identidades e seus conflitos. A "Constituição Moral" exigirá um esforço teórico e prático para restabelecer a solidariedade e o respeito pelos indivíduos - com a sua identidade - sem perder de vista o seu ser social inalienável. Deve ser uma força de consciência para a ação contra a corrupção inerente ao capitalismo… a sua violência inata e a impunidade com que foi implantada ao longo da sua história. Moral, pois, porá a honestidade, porá a paz e porá a justiça social com respeito concreto pelos direitos humanos e a erradicação definitiva do abuso de autoridade. Uma Moral da igualdade. Aliás, a defesa dos Direitos Humanos exige uma base concreta com definições objetivas sobre a qualidade da vida Humana, com saúde integral, ecossistemas limpos, justiça social, dignidade e felicidade honesta. Todos vivendo bem. Não é uma questão de abstrações filantrópicas em discursos demagógicos.

Embora com o nome de "Constituição Moral" não quer dizer método de coercivo com "leis", por isso é fundamental entendê-lo como um movimento político de raízes humanistas, não para impor condutas ou crenças de conjuntura, mas elevar o nível de convivência baseada em princípios de vida agradável para todos, fortalecer valores e resgatar a nossa identidade de classe e as nossas raízes como seres genéricos cooperativos.

O México necessita de se rebelar contra os valores e princípios inoculados pelo neoliberalismo, mas também precisa de se libertar dos flagelos ideológicos que sobre a Moral se têm produzido em certas aulas e em algumas deformações burocráticas da política. Dito de outro modo, libertar-nos da Moral conservadora que se impõe como enfadonha, pétrea e absoluta. O México precisa de abandonar todo o escapismo filosófico e vincular o pensamento Moral à vida, não como uma simples exigência teórica ou decorativa, mas um requisito prático, exigido pelas novas realidades de um país impactado pela mobilização de massas que fez de López Obrador seu presidente. O México precisa de uma Moral de um novo género construída, desta vez, pelas suas lutas emancipadoras.

Tal moralidade, como motor do comportamento social, precisa de uma filosofia humanista. Essa Moral nascente deve ser um motor histórico, social e prático, para dinamizar a natureza interior de um mundo que se transforma pela práxis como atividade humana, com a sua história e as suas contradições. A Moral também é um modo de comportamento histórico por natureza, desenvolvendo-se, portanto, social e permanentemente. E a ética, como estudo científico da Moral, sabe que esta muda historicamente.

Não é inútil insistir. Contra todas as conceções a-históricas que entendem a Moral como algo dado para sempre, é necessário negar a sua historicidade. A Moral muda historicamente de acordo com o desenvolvimento social, e precisamente, devido a esse carácter histórico surge a necessidade de exigir uma "Constituição Moral" para uma sociedade disposta a acabar com as devastações do neoliberalismo e da corrupção. "Constituição Moral" como força de hábitos e costumes de uma relação coletiva livre e consciente. Mas essa "Constituição Moral" também deve ser força para críticas a nível político. Ser força de antecipação de onde o conhecimento seja crítico do "realismo político" e do conformismo que semeia ilusões nocivas sobre a possibilidade de realizar a justiça social e a eliminação de todas as opressões. Crítica, por isso e também, a gestão governamental (incluso as responsabilidades militares) o Estado burguês e, a partir daí, as consequências que tem para os seus povos e, em geral, para a humanidade. Uma Moral em luta. 


Dr. Fernando Buen Abad Domínguez
Diretor do Instituto de Cultura e Comunicação
e Sean MacBride Center
Universidade Nacional de Lanús





1 comentário:

Olinda disse...

Uma moral que possa contribuir para a construção do "homem novo".Uma moral com sentido verdadeiramente de esquerda.Oxalá ,Obrador,cumpra o objectivo.Abraço