AS BANDEIRINHAS
A minha querida pátria
a pátria
os camões
os aviões
e os gagos-coutinhos
coitadinhos
a pátria
e os mesmos
aldrabões
recém-chegados
à democracia social
era fatal
(e mais não transcrevo)
Mário-Henrique Leiria
Desde os jardins-de-infância à primária, as criancinhas ficaram submersas de bandeirinhas e bandeirolas; os educadores, professores e todo o pessoal de apoio desunharam-se para inventar actividades que permitissem levedar, ainda no berço, o amor pela pátria do futebol ou pelo futebol da pátria - nunca separando estas duas entidades - não há futebol sem pátria nem pátria sem futebol.
Às crianças de fraldas, e que mal se aguentam nas canetas, colocam-lhes a pertinente questão: qual é o teu clube? Gostas mais do Ronaldo ou do teu pai?
E como qualquer papagaio amestrado, a pobre criancinha, na sua ingenuidade, repete o que o papá, desde o berço, lhe vem atazanando às orelhas para gáudio e orgulho dos progenitores que, pressurosos, registam a gracinha no livro do bebé: no dia x com quinze meses…
E porque os roteiros estão na moda, eu fiz o meu “roteiro pela primária” recolhendo extractos de redacções que os mestres-escola impuseram aos petizes, tal como o momento histórico o exigiu: “Escrevam sobre a bandeira”?
«A minha bandeira é muita fixe; eu gosto muito da minha bandeira quando Portugal ganha, quando perde o meu pai esconde a bandeira.»
«Se, quando for grande me mandarem para a guerra quero ser porta-bandeira como nos filmes; o porta-bandeira não dá tiros e como não ataca, peço ao capitão para ir atrás dos soldados, porque é menos perigoso e não se suja a bandeira.»
«Eu gosto muito da bandeira das esquinas, o meu pai disse-me que bandeira de esquinas só há uma a nossa e mais nenhuma, e que bandeira que não tem esquinas é redonda e que é muito bom termos a bandeira das esquinas; não percebi por quê mas eu também gosto de bandeiras com esquinas; é fixe ter esquinas nas bandeiras.»
«O pau da bandeira da minha escola é de ferro; para melhor avaliar a minha professora perguntei-lhe se podemos dizer ferro de bandeira.»
«Uma bandeira desfraldada é assim como uma bandeira sem fralda, não sabia que as bandeiras também tinham fraldas. Quem é que muda a fralda à bandeira?»
«Arvorar a bandeira é colocar a bandeira na árvore e hasteá-la é pendurá-la na haste de um boi ou de uma vaca, tanto faz.»
«O meu pai ri-se muito com tantas bandeirinhas; diz que se ri a bandeiras despregadas. Eu não sabia que as bandeiras despregadas faziam rir tanto! As bandeiras pregadas não fazem rir. Porquê?»
«Nos táxis, mesmo sem bandeira, pagamos sempre a bandeirada. Não está certo! Só devíamos pagar a bandeirada quando tivesse bandeira. Prontos!»
«O meu pai também acha que andamos a embandeirar em arco, que temos a mania, que seria melhor termos juízo, que acabamos por levar sempre com o arco da bandeira na pinha, tropeçamos no arco e esborrachamos a trombeta.»
«Eu gosto é da bandeira preta dos piratas com a caveira e as tíbias. Quando for grande quero ser pirata com a pala no olho a fingir e sem perna de pau mas o meu pai diz, e ele é que sabe, que os piratas agora são ainda mais perigosos e andam em aviões a jacto sem bandeira e com guarda-costas.»