terça-feira, 31 de julho de 2012

JOGOS DE VERÃO

Alexandre O'Neill

"Os convencidos da vida"

"Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. não me constrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam , à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear. Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força. Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista. Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se? (...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil. Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro. Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi."

Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim"

sábado, 28 de julho de 2012

INCOMPETENTES!?


É comum ouvirmos, encontrarmos em crónicas ou aprofundados estudos de personalidades de reconhecida competência em diversas áreas do conhecimento que, referindo-se ao abismo onde nos encontramos, afirmarem que os governadores deste protectorado são IMCOMPETENTES.

Com a humildade própria de quem, com a consciência absoluta de não ser parvo e reconhecer não ser perito em coisa nenhuma, permito-me discordar absolutamente com os doutores (de verdade) comentadores assim-assim, politólogos made in USA, economistas e até bispos bentos pelos céus ou fazedores de opinião pagos para opinar.

Eu afirmo e confirmo que esses governadores são competentes, são mesmo muito competentes, necessário é saber ao serviço de quem aplicam a sua competência.

Quanto a mim, é por aqui que devemos iniciar os nossos critérios de apreciação para poder aferir da competência destes robôs colocados em lugares-chave de cada país pelas grandes organizações monetárias internacionais.

Os governantes da Itália, Grécia, Espanha, Irlanda e Portugal são todos IMCOMPETENTES? O esbulho a que estão sujeitos estes povos está a ser efectuado por gente competentíssima!

Para identificar os salteadores que nos saqueiam é indispensável localizar o receptador. Encontrados os bens que nos pertenciam, fácil é concluir a quem aproveita o crime e ao serviço de quem se encontram aqueles que juraram defender-nos.

Para aferir da competência dos tais incompetentes, bastaria verificar os bens de que dispunham antes da governança e os que alardeiam ou escondem depois de se governarem. IMCOMPETENTES, eles?

Voltámos à época em que os mercenários, por meios aparentemente mais violentos, tinham direito a saquear os territórios conquistados, despojando os povos de todos os seus bens, deixando-os na indigência absoluta. O grande capital apropria-se das casas, terras e fábricas cujos proprietários não conseguem pagar as hipotecas, e os mercenários a seu soldo, esses incompetentes, que dirigem o saque usufruem de rendimentos chorudos, gordas contas bancárias aqui e no estrangeiro, e principesco património constituído por luxuosos apartamentos, mansões, iates e jactos

Se o mal que nos afeta, residisse na propalada incompetência de uma ou no conjunto de criaturas, bastava proceder à sua substituição e solucionávamos o problema. Acontece, porém, que doutas personagens, ajoujadas de canudos, tomam o testemunho da governança e a “incompetência” alastra e radica-se.

Se nos enquistarmos nesta falsa apreciação, de que o mal está na incompetência, estamos a encobrir os verdadeiros fautores da miséria que nos atinge, e que se encontram algures, frente a computadores movimentando triliões de euros ou dólares e, se esta arma não for suficientemente eficaz para aniquilar os países visados, destroem-no literalmente à bomba.

terça-feira, 24 de julho de 2012

O SISTEMA – o individualismo e o seu contrário.


Afirma-se e comprova-se queo sistema” gera e promove o individualismo. A competitividade, a produtividade forçada conduzem ao salve-se quem puder que afasta das nossas preocupações, tudo e todos os que nos rodeiam.

Nos locais de trabalho, a insegurança promove a rivalidade, provocando atitudes desprezíveis entre assalariados. Porque os melhores classificados podem hipoteticamente conseguir emprego, na escola a entreajuda dá lugar ao escamotear de informações que resultam em dificuldades para os colegas de curso.

A ideologia dominante dissemina, pelos meios mais bárbaros ou sofisticados, a sacralização do individualismo. Dos desenhos animados, às longas-metragens, assim como em todas as manifestações culturais onde o sistema impere, exalta-se o herói.

Nos mídia a enxurrada de individualismo submerge o esforço colectivo.
Às manifestações, sejam pequenas ou de grande vulto, quebram-lhes o impacto com imagens ou discursos que distorcem o seu significado.

Os cronistas ou fazedores de opinião, a soldo do sistema, alinham sempre pelo mesmo diapasão, desvalorizando qualquer iniciativa organizada em defesa das populações, sendo loquazes sempre que aquele operário, entre os milhares de despedidos, entrou no reino dos empresários.

A sociedade é um todo e o individualismo estiola quando lhe falta o húmus social, assim como a própria sociedade se fragiliza ao se fragmentar no individualismo.

É do próprio sistema que impõe o individualismo, que surge o altruísmo, a solidariedade e a fraternidade, de onde nasce a liberdade colectiva que não é possível sem liberdade individual.

Por todo o país, os cidadãos serram fileiras, a vida impõe essa necessidade, não o fazem por opção ideológica, essa poderá vir depois, agrupam-se por necessidades objectivas, tais como a salvaguarda de direitos duramente conquistados e que aos poucos ou abruptamente lhos sonegam porque o sistema assim o exige.

Unem-se porque o sistema fomenta o desemprego para criar o exército de reserva sem o qual o sistema não consegue baixar o valor trabalho.

Nos lugares mais recônditos do país, as populações saem à rua para impedir o fecho dos Centros de Saúde ou insurgindo-se contra as portagens, o encerramento de tribunais e escolas.

Viver em sociedade é comungar com os outros, sentir que a sociedade é o nosso berço e o individualismo a nossa campa.

Profissionais até então elitistas, hoje assalariados, feridos no seu orgulho de classe, rebelam-se e, lado a lado com trabalhadores menos qualificados, protestam. Jovens, filhos de gente abastada e promotoras do individualismo, sentem-se frustrados por não conseguirem o estatudo dos seus progenitores e manifestam-se conjuntamente com o filho do operário desempregado.

O individualismo é incompatível com a convivência social, é excrescência gerada nas sociedades económica e moralmente afectadas.