A “toxina
botulínica” esgotou
Como tranquilizante e agente
moderador da
COPROLALIA
“Ah, os piratas! Os piratas!
A ânsia do ilegal
unido ao feroz”
Álvaro de Campos
É certo
que muitas das obscenidades
mudam de força e mesmo
de significado consoante
o grupo social
ou a região.
Há palavrões corriqueiros
no Norte que
passam horizontalmente por todas as classes,
mas no Sul
fazem corar quem
quer que
seja; e o mesmo acontece a alguns que são correntes
no Sul, mas que os nortenhos não
aceitam de bom grado.
A intensidade e o modo
como são
pronunciados podem também mudar-lhes o significado ou
atenuar-lhes o sentido. Tudo isto não nos é estranho e não nos preocupa grandemente.
São palavrões,
obscenidades, asneiras
ou asneirolas que,
por vezes,
até dão colorido ao discurso
ou saem de jacto, quando
da clássica martelada
no dedo ou
da canelada, e que
não admitem a educadinha interjeição: “bolas!”
O que
nos preocupa, sem
quaisquer laivos de puritanismo, é a violência e a constância
das obscenidades; por
todo o país,
em todas as classes,
desde a média
burguesiazinha parda aos mais desprotegidos, para usar a terminologia em moda, o palavrão,
a propósito de tudo
ou papagueado como
simples desabafo,
tornou-se numa constante.
Entre os
sociólogos instalou-se um autêntico pandemónio e, porque
não encontram resposta
científica para
o compulsivo chorrilho
de palavrões que
surgem de todos os horizontes,
designam de fenómeno o acontecimento; outra corrente no campo da sociologia
classifica o facto de pandemia verbal, enquanto
os linguistas esfregam as mãos de contentes e enriquecem os dicionários
de calão.
O novo linguajar surge-nos com
nova coloração e sonoridade até então pouco usual. Um primor!
Para complicar ainda mais a compreensão
do “fenómeno”, os neurologistas afirmam tratar-se de uma vertente
do Síndrome de Tourette: a “Coprolalia”, tendência patológica
compulsiva para
proferir obscenidades,
enfermidade totalmente
incontrolável porque
desinibidora, sendo que esta tendência abrange todas as palavras
e frases consideradas culturalmente tabus ou
inapropriadas socialmente.
O governo
está atento e preocupado;
os governos estão sempre
atentos e preocupados, não é novidade para ninguém. Assim, uma vez
diagnosticado o mal e encomendadas doses massivas de “toxina
botulínica” que é injetada nas cordas vocais,
o que noutros países tem surtido algum efeito, para nós,
portugueses, cada picadela era um estímulo para novos palavrões.
As dificuldades aumentam
de intensidade e o mal-estar social agrava-se;
segundo os especialistas
– os especialistas bem
pagos têm uma linguagem
académica – há uma relação direta entre a injustiça social e as obscenidades
e, bem entendido,
quando os analistas
nos aparecem na televisão
fazendo-nos crer que
vivemos no melhor dos mundos, são
apodados de tudo e mais
alguma coisa, sobrando ainda
o suficiente para
os governantes, ex-governantes e outros pilantras.
Quando o Costa nos surge qual querubim
escondendo o ferrete Bilderberg ou quando Passos tira
o Portas da cartola e ambos encenam mais uma farsa,
quando fecham escolas
e o Serviço Nacional
de Saúde se degrada, quando os salários
minguam e sobra mês
e o desemprego se torna endémico, os palavrões surgem tão
vernáculos, tão
compulsivos e com
tamanha intensidade,
traduzidos até em
linguagem gestual, com
raízes nas Caldas e em
Bordalo Pinheiro, que
o próprio Albino Forjaz
de Sampaio, de quem tanto
se falou, deixou de ser referência
na matéria, e porque
ainda não
perdemos a criatividade, mil novos palavrões foram inventados, tão
agressivos que
os não devo transcrever.
PS/PSD/CDS saquearam-nos todo o
património e, de futuro empenhado e escassos meios de sobrevivência, a inflação de palavrões tem sido tal
que se elevou a insulto.
Dia 4 de Outubro
com a simplicidade dos íntegros, lá estaremos sem palavrões, firmes e
conscientes.