“E quando os vejo continuar no
officio illesos, não posso deixar de o atribuir à destreza de sua arte, que os livra até da justiça mais vigilante, deslumbrando-a por
mil modos,
ou obrigando-a que
os largue, e os tolere; porque até para isso têm os ladrões
arte.”
“Arte de Furtar” (1742)
Com uma cultura tão rica na “Arte de Furtar”, cultura que os nossos antepassados
souberam preservar e que
o nosso dia-a-dia
não dececiona, o vocabulário
que nesta atividade,
tão abrangente, surge nos mídia é de
uma pobreza confrangedora.
Roubam-se tostões, desviam-se milhões;
este amanhou-se, aquele
desfalcou, aqueloutro abotoou-se. Sempre
a mesma lengalenga.
Bem contados, não
vão além
de escassas dezenas os termos usados na mais
brilhante e lucrativa
atividade no nosso
país.
Preocupado com este hiato cultural, crente
e ufano de contribuir
para que nos possamos entender muito melhor
neste negócio em
galopante expansão,
que é o gamanço, fui à cata de palavras
que, através
dos séculos, a nossa
desonestidade fabricou e que o presente não desdenha, códigos
que abrangem todas as classes e que, contradição das contradições,
se aplicam na sua quase
totalidade aos mais
espoliados.
O safe-se quem puder reflete o sistema
que dá pelo nome de neoliberalismo,
monstruosa ave de rapina
que vai deixando o planeta
exangue, devorando o planeta e abrindo o caminho
ao saque generalizado.
É tempo de engendrar novos termos e fazer reviver, pelo
menos, os cerca
de trezentos que a preguiça
ou a rotina
mantêm sepultados no esquecimento, hoje que a sede do lucro imediato torna
os bolsos insaciáveis
e o pudor, rechaçado, não sabe como e
onde se refugiar.
Vamos
a isto; é tempo
de nos ilustrarmos:
A
Abafação é furto, abafador o ladrão
e abafar
a ação. Abarbatar e abotoar-se é deitar
mão do alheio
e, em calão,
o achatar, assim
como
afiançar, é simplesmente
roubar. Afanar é já da gíria - e é giro.
Enquanto o agadanhador surripia, agadanhar é lançar o gadanho, tirar à força, tal como agafanhar.
Alapardar
é apossar-se do que pertence
a outrem ou
seja locupletar-se ilegalmente. O alcance tem
nobreza, é mais para
pessoa fina, não tem a ver com a plebe, pela delicadeza do termo, não está
longe da alicantina, cheia de astúcia e manha.
Aliviar é
coisa de carteirista, também
sinónimo de roubo. Anexar é termo
abrangente, mais próximo
do apoderar-se, apossar-se, apropriar-se, enquanto
apanhar alguém com a boca na botija,
sendo também roubar,
é termo frouxo.
Arrancar, arrebanhar, arrebatar, arrepanhar são palavras fortes, principalmente
quando colocadas ao lado
do assenhorear-se, expressão delicada,
punhos de renda,
com classe.
B
Barrela, significa engano,
logro, esparrela
e Bater a carteira
é roubar
às ocultas a carteira do bolso de outrem,
mas, só Bater é, no
Brasil, o nosso aliviar,
tal como
buscar é roubar principalmente do bolso.
Ao bifar, furta-se disfarçadamente. O borlão, borlador ou burlista exerce a arte
de burlar, obviamente. Mas
deitar a mão
a… é benzer.
C
Ao capiangar, furta-se com
destreza, sendo o capiango um ladrão astuto, já o cafunge e
o camafouje são
gatunos, gente
vil. Captar, faz-se com astúcia. Cardanho ou
cardar é roubo na área do palmar, mas catar e catrafilar fazem parte
do jargão, do choro, larápio
sem estatuto.
comedeira refere-se a lucro
desonesto muito
próxima de exação. Comer é espoliar,
saquear, e consumir iludir. O palavrão, concussão,
é específico para
o funcionalismo público,
uma honra. Corte é roubo,
ação de cortar-se
ou apropriar-se de coisa
alheia. Corrupção, (deterioração, decomposição física,
orgânica de algo;
putrefação) e também
ato ou
efeito de subornar
uma ou mais
pessoas em
causa própria
ou alheia,
geralmente com
oferecimento de dinheiro; suborno. E para
terminar a terceira
letra do alfabeto,
ficamos com cresta e crestar
que se aplicam ao desfalque
e ao despojar.
D
Dar a palmada ou dar o golpe
circulam na gíria colorida do gingão e, claro que, deitar a luva
ou deitar a unha não
são expressões
de salão, assim
como depenar e depenador também não. Defraudador e defraudar são mais suaves no burlar. Porém, depredação e depredar são o roubo violento, muito
diferentes do descaminho, um termo bonitinho,
próximo do desvio
e não longe
do desfalque
ou desfalcar, despojo ou despojar. Desapossar é tirar. Mas nobre, nobre mesmo, é o desvio…o desviar, não se utiliza abaixo do milhar e, creio que com a inflação, já
deviam ter sido promovidos a milhão.
Dolo, até pela pronúncia tem classe e
pavoneia-se pelos corredores
dos tribunais.
E
Empochar, empalmar, empalmação
circulam pelas ruas do calão e eliminar, tal como endrominar, também.
Empolgar
é mais violento
e o engodar
tem ardil. Esbrugar ou esburgar é forçar e esbulho e esbulhar é mais abrangente, vai até
ao abuso de poder;
já escamotear é roubar
com muita
habilidade e escorchar anda pelos mesmos becos do
despojar. Escroque, galicismo,
entrou no nosso linguajar
e ficou como burlão, intrujão,
vigarista e trapaceiro
que é. Ao esgueirar-se, subtrai-se com
astúcia, desvia-se, sendo a estafa burla; espoliar é extorquir e esquivar-se furtar; estelionato e o estelionatário tão em voga, colocam o conto-do-vigário
a um nível superior; subtrair herança é expilar. Extorquir, extorsão e extorsionário são
termos rudes;
já, extravio navega nas águas do desvio,
não fere as almas
sensíveis.
F
Fajardo furta habilmente, faz fajardice em suma; falcatrua e falsificar andam muito
a par; a malta
diz fanar,
fazer a folha
e fangueirada é furto
que vale a pena. Fazer, fezada, fazer rajá é simplesmente
roubar, mas
fazer a pala
é encobrir o roubo; e ainda com o verbo fazer temos o fazer mão
baixa e fazer mão de gato.
Filho
da noite é gatuno violento
assassino que
opera na calada da noite.
O flibusteiro
vive de expedientes, da trapaça;
forjar é falsificar; fraude ou
fraudulência, fraudar, fraudador andam no campo do engano,
do defraudar já
citado. Furto, furtar e furtança são linhas
do mesmo novelo,
onde se enrola a trapaça.
G
A avidez
do galfarro não
perdoa, deita a mão
ou o gadanho; gadanhar ou gadunhar são
artes do gamanço dos que sabem gamar. Gatázio é grande
logro e deita-se o gatázio a alguém ou a alguma coisa. Gatear é roubar já o gateador é ladrão
manhoso e gato, dar
gato por
lebre, fala-nos de logro.
Gatuno
é termo corrente
e gatunice a sua
prática; levar vida de gatuno
é gatunar, tal
como gatunagem é o coletivo destes meliantes.
Gaturama ou
gaturamo
não faz mais
que gaturar ou
gaturrar. No Brasil, guinda é roubo com
escalada, e, para nós, ao guindar rouba-se carteira
e também, em
calão, guindo é simplesmente roubo.
I
Intrujão ou entrujão é o que faz intrujice e, ao intrujar, burla-se. Intrusão é usurpação, posse ilegal e violenta,
ação de se apossar de um cargo, de uma dignidade… o dia-a-dia
em suma.
L
E assim
chegamos ao trivialíssimo… LADRÃO! Que no feminino
nos dá a ladra, ladrona ou
mesmo ladroa. O ladranete é o
ladrãozinho de meia-tigela; ladripar
é surripiar coisa
de pouco valor,
trabalho do ladripo
ou do desclassificado
ladranete, já
mencionado, assim como
do ladrisco, um
tanto tolerado, vejam bem!
Na gíria do Porto
ladrilho
é simplesmente gatuno.
E sendo ladro ladrão,
ladroar
a ação e ladroagem seu vício, ou bando de ladrões, ladroado
é o roubado. Defesa contra
o ladroísmo eleitoral
vem a propósito, é mais
que ladroeira ou
ladroíce, ladroísmo é um hábito, um vício dos que, ao ladroeirar,
vão fazendo as suas
ladroeiras. Temos, por fim, o ladranzana, ladravaz, ladravão ou ladroaço,
palavrões aplicados aos grandes ladrões,
não àqueles
que desviam milhões,
por uma questão
de pudor, estilo
ou conivência,
o vocábulo não
se lhes aplica. Sua
excelência senhor
fulano de tal
ladranzana, ladravaz ou ladravão!?
Convenhamos que temos que encontrar palavras para esses crápulas.
O larápio, ao larapiar ou
larapinar, faz larapice; não é violento como o
que, ao latrocinar, comete o latrocínio, roubo violento, mesmo
à mão armada.
Leilão é roubo no Dicionário de Calão. Levar, libertar e limpar vivem nas margens
do jargão; faz-se limpeza ou
livrar a alguém o que lhe pertence.
Ao lograr
pratica-se o logro
a que nos
sujeitam diariamente.
M
Dos jogos
malabares, que na sociedade
tanto se praticam, o gingão, muito a propósito, emprega malabar
como roubar,
e o malandro,
que também
pode ser gatuno,
tem como diminutivos
malandrete, malandrim ou malandrote
e seus hierárquicos
superiores o malandraço ou malandrão. Ao malversar, fazem-se desvios abusivos. Mamata é roubo
de alto nível
e marmelada
negócio inescrupuloso.
Meliante
gatuno. Malversação apropriação indébita de fundos,
valores, durante
administração de património alheio, público
ou privado.
Em calão, mordido é o roubado. Mosco é furto
em residência
com chave
falsa, furto
audacioso, com
assalto; já
meter a unha
é extorquir, meter a mão, roubar.
O - P
Ocultar é sonegar rendimentos…
cometendo fraude. Onzenar é praticar
usura, e onzeneiro o seu autor.
Palmar é bifar; palmanço, gamar
e dar a palmada
tem a mesma raiz.
O pandilheiro faz parte da
pandilha ou quadrilha
de ladrões. O pantomineiro, mestre em histórias para enganar, exerce a pantomina e, com
as suas pantominices, acaba por levar à certa,
com inteligência,
a vítima escolhida. Para
o populacho, picar é roubar,
e pichelingue o larápio.
Ao pifar,
furta-se. Pilhar
tem extremos, vai do reles pilha-galinhas
à pilhagem
praticada, geralmente por um grupo, de forma
devastadora; mas pilha é o larápio e pilho ou pilhante
o gatuno ou
patife. E chegámos ao pirata, ladrão
ou ladra
do mar e não
só, sujeitos
que estamos a piratices, piratada, piratar, piratagem e a todas as piratarias que se nos
colam como sanguessugas, indivíduos que por meio de exações tiram dinheiro a outrem. Plágio ou plagiar é usurpar as ideias ou palavras de outrem,
roubo literário;
plagiato ação
de apresentar como
seu o que
se copiou e o plagiador
ou plagiário
andam nos bicos
dos pés com
suor alheio.
Prear é
apossar-se de (alguém ou alguma coisa) ou pilhar, se a frase
o consentir. Prender ou gatunar também pode entrar na área do suborno, suborno que se tornou
num vocábulo que
se traz na lapela, símbolo
de sucesso, promoção
social et cetera e tal.
Prescrever, prescrição
são o fosso
da engrenagem judicial
que beneficia que
desviam grandes somas; manigâncias! A responsabilidade
da sua inclusão
neste glossário é minha,
tal como
privatizar cuja
raiz comum
Privar, mais
não é que
tirar ou despojar alguém de algo a que tem direito.
Q – R
Quadrilha é bando de malfeitores, subordinados
a um chefe que por vezes até pode
legisla, privatiza e forçar as prescrições.
Bem entendido
que o quadrilheiro é o que faz parte da quadrilha.
Rapace o que rouba, que rapina, e rapacidade
a inclinação para
tal mister. Rapar é
apropriar-se dos bens de outrem, deixando-o sem
nada. Rapina roubo
violento, pilhagem
e rapinação roubo
ardiloso; e da mesma
raiz seguem rapinador, rapinagem, rapinice, rapinanço, rapinante
e rapinar. Rapto
também é ato
de furtar e raptar pode significar tirar alguma coisa a alguém,
usando a força. E não
podia faltar o rato-de-sacristia,
beato falso
e ladrão de igrejas,
vai dar ao mesmo.
Se o ratoneiro é pessoa
que rouba,
já ratonice
é roubo insignificante.
Na gíria, rifar é bifar. Rouba é o mesmo
que roubo e roubador o que furta e, como
há tantos modos
de roubar, defendamo-nos da roubalheira quotidiana a que estamos sujeitos.
S
Sacomão termo em desuso
que designava o salteador
e saco
o ato de saquear.
Saca, é um
elemento de composição
que traduz a ideia de sacar ou
tirar, daí sacar significar também tirar a alguém, em benefício próprio e contra sua vontade. A malandragem usa
safar para designar os seus furtos, e
os modernos dicionários
já incluem o termo.
Sacomão termo
em desuso que
designava o salteador e saco o acto
de saquear. Saca,
é um elemento
de composição que
traduz a ideia de sacar
ou tirar,
daí sacar significar também tirar a alguém, em benefício próprio e contra sua vontade. A malandragem
usa safar para
designar os seus
furtos, e os modernos
dicionários já
incluem o termo. Os salafrários surgem-nos com pezinhos de lã.
Saltada é roubo
com assalto,
e salto
roubo em estrada, pilhagem
ou saque.
Quando se diz que
o país está a saque,
todos compreendem, apercebem-se dos que estão a saquear e, por vezes, até
conhecem o saqueador.
Senhorear-se ou
assenhorear-se é tornar-se,
ilegitimamente, senhor de. E sonegar é deixar
de mencionar, com
fraude, ato corrente de suas excelências que,
embolsando milhões, apresentam prejuízos. Ao sovacar,
o sovaqueiro pira-se com o roubo debaixo do sovaco, sendo
denominado também ladrão de fazendas.
Um pobre
diabo! Suborno e corrupção irmãs siamesas com
o mesmo coração
e de unhas compridas. Subtrair, é furta-se alguém de forma escondida ou fraudulenta, termo
muito próximo
do surripiar
ou surripilhar,
com um
leque alargado, que
vai da surripiação ao surripiado ou
surripilhado, surripianço e ainda o surripiador que
comete o surripio, ato ou efeito de furtar.
T – U – V - X
Tirar é desvio ou
roubo, depende da classe
e do montante, e tomar é apoderar-se de bens alheios. Trabalho e trancanhir é, em
calão, roubo,
assalto. Trancanhir tem pinta! Trapaçar ou
trapacear
é enganar, fazer contrato fraudulento, burla
ou embuste;
trapacice ato do que
fez a trapaça.
Tranquibérnia ou
traquibérnia, negócio
de má-fé, tranquibernice, trampolineiro.
Unhar
é muito usado pelo
Padre Manuel da Rocha
na “Arte de Furtar”. Quanto a usurpação,
por meio
de violência ou
artifício, tem como
artífice o usurpador, que mais não faz que usurpar, ao adquirir fraudulentamente ou
apossando-se violentamente do alheio.
O vigarista burla ou engana os
ingénuos ou incautos
e que, ao vigarizar, faz vigarice.
Na letra
xis só
encontrei o local onde
se encontram os delinquentes que vão de cana para o xadrez, xilim ou
xilindró
e que diverge nos
cómodos segundo se desviou ou se roubou.
Temos «uma certa cultura
de corrupção»
Cunha Rodrigues
ex-Procurador-Geral
da República