Um Governo, autodenominado de socialista, continua a pôr em saldo o pouco que já nos resta e a destruir o SNS, Justiça e todo o Sector Público. Com “esquerda” desta não necessitamos de extrema-direita.
AbrilAbril
29 DE ABRIL DE 2023
TAP. Enquanto se caçam notas, uma grande empresa nacional é destruída
Enquanto uns caçam Galambas e
outros continuam a caçar a TAP, a verdade sobre o criminoso processo de
ataque à companhia aérea vai jorrando da comissão de
inquérito perante a quase indiferença mediática.
Paulo Duarte, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos (SITAVA/CGTP-IN), durante a sua audição na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP na Assembleia da RepúblicaCréditosManuel de Almeida / Agência Lusa
Como já foi alertado, o centro do debate mediático sobre a TAP nunca
é a TAP. Esta sexta-feira, o debate centrou-se nas notas que terão sido
tiradas numa reunião, que o ministro das Infraestruturas garante não existirem
e o adjunto despedido jura terem sido tiradas. Assim, enquanto uns caçam
Galambas e outros continuam a caçar a TAP e a enterrar uma grande companhia
nacional, a verdade sobre o criminoso processo de ataque à TAP vai jorrando da
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP perante a quase indiferença
mediática.
O facto mais grave ocorrido nos dois últimos dias passou praticamente sem
críticas ou mesmo registo. É que, na quinta-feira, o Governo anunciou o início
do quarto processo de privatização da TAP, depois de os três primeiros lhe
terem provocado mais de mil milhões de euros de prejuízo. Particularmente o
primeiro, a venda à Swissair, que faliu antes de concretizar a compra, e o
último, a venda a David Neeleman, cuja dimensão do estrago se vai conhecendo
melhor com a actual CPI.
No mesmo dia, continuaram as audições às organizações dos trabalhadores,
que «enterraram» completamente o processo de reestruturação, imposto pela
Comissão Europeia, ilustrando com casos concretos: os cortes no número de
trabalhadores destruíram a capacidade de retoma da operação da TAP; os cortes
salariais que, além de prejudicarem a vida dos trabalhadores que os sofrem,
afastam todos os dias trabalhadores especializados da TAP, que encontram
noutras empresas – particularmente no estrangeiro – melhores remunerações e
condições de trabalho; o encerramento do infantário cria um problema aos
trabalhadores com crianças menores, particularmente àqueles que entram nos
primeiros horários (5h, 6h) e àqueles que saem nos últimos turnos; o recurso
sistemático a aviões com tripulações que não falam português prejudica a
companhia. Tudo isto, imposto pela Comissão Europeia, aceite pelo Governo
português e ferreamente implementado pelas administrações. Aliás, não
exactamente tudo. Os cortes salariais terão sido uma opção do Governo
português. Pelo menos é isso que transparece de um documento da Comissão
Europeia entregue à CPI pelo Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação
Civil (SNPVAC).
O que é impressionante é a capacidade de a Comissão Europeia ter percebido
que a pandemia lhe criara a oportunidade de conseguir, pelos mais ínvios
caminhos, concretizar o seu projecto de mais de 20 anos: integrar a TAP num dos
três grupos monopolistas que «devem» restar na Europa (Lufthansa, Air
France/KLM ou British/Ibéria). Contando, como sempre, com a subserviência do
Governo e da oposição neoliberal.
A audição da Comissão de Trabalhadores serviu ainda para lembrar uma outra
realidade; que existem leis de primeira e de segunda. É que, como lembrou o
deputado Bruno Dias, as comissões de trabalhadores têm o direito de participar
nos processos de reestruturação, de conhecer as propostas e dar opinião sobre
elas. Está na lei. Mas nada disso aconteceu na reestruturação da TAP. Foram
entregues documentos truncados à margem da lei. Foram negadas informações ao
abrigo de um segredo que pode ser exigido (se justificado) mas não pode servir
de desculpa para negar informação. E esse tipo de ilegalidades contribui para
tornar opaca a gestão – seja nas empresas públicas seja nas empresas privadas.
O problema está no retrocesso democrático da gestão das empresas (e não apenas
das públicas). É esse retrocesso democrático que alimenta a corrupção, o
nepotismo, e todas as formas de abuso.
Entretanto, habituados a fazer o mal e a caramunha, os partidos que
apoiaram a privatização da ANA, que permitiram que esta cancelasse a construção
do Novo Aeroporto de Lisboa, há oito anos que apoiaram a liberalização
do handling, que aceitaram o direito de a Comissão
Europeia impor uma reestruturação à TAP e despedir dois mil trabalhadores que
fazem falta – o PS e o PSD quando no poder, mas com o apoio ideológico da IL –
falam agora do perigo de um Verão caótico no Aeroporto de Lisboa. Que
seguramente o será. Mas porque as privatizações e o neoliberalismo andam a
enterrar este país. Enquanto se discute se numa determinada reunião se tomaram
notas e se há direito de exigir vê-las, ou de escondê-las ou de mentir sobre a
sua existência.
Este artigo integra a série de apontamentos sobre a comissão parlamentar de inquérito à TAP, disponíveis aqui.