A BANHA DA COBRA
Num cesto
transporta a cobra.
Se há cobra, a “banha”
é forçosamente
de confiança, proveniente de
réptil certificado
pela ASAE, confirmação
incontestável do
produto. Cobra
tão necessária
ao charlatão, como
a todos os que
duvidando da aceitação do seu
discurso,
apontam para a companheira
e exclamam: “Está aqui
a minha mulher
que me
não deixa
mentir.” E a pobre,
não diz que
sim nem
que não,
limita-se a sorrir. Ai dela!
O rapaz
de dentes sujos,
e o homem de perna
encolhida que depois
de besuntada fica mais
comprida, fazem parte
da bagagem.
Juntar
à tralha para
o espectáculo a descontracção necessária
a todo o embusteiro:
fluente, afirmativo,
sorridente, em
suma, o perfil
de aparente credibilidade
colada a um
pantomineiro, tal
como modernamente
especialistas de
imagem são
exímios em
fabricar. Embora
muitos governantes
nem para
isso tenham jeito.
Na ponta
de um cordel
caminhava um rafeiro,
(o bonito), “Um
pobre cão
vadio, que
não tinha
coleira e não
pagava imposto” como
diria o velho Guerra
Junqueiro. Era
uma novidade
neste tipo de
espectáculo, mas
como o lanzudo não
parava de se coçar, ficava a
dúvida se não
seria unicamente o transporte
das pulgas.
O “artista”
enrolou a cobra
ao pescoço,
arregaçou as mangas,
fez soar a pandeireta e como
qualquer ministro,
Presidente ou
banqueiro atrevido,
afirmou a plenos
pulmões:
E para
dar credibilidade
à afirmação e marcar as diferenças,
começou por afirmar:
“Movimento-me livremente
por todas as ruas
e vielas, não
tenho guarda-costas
e canto a Grândola
Vila Morena
porque me
enche a alma.
O meu
nome não
anda arrastado pela
lama nem
a apodrecer em
tribunais. Cumpro
as minhas obrigações
para com
o fisco a Segurança
Social e pago
os meus impostos
directos no pó para
o cão das minhas
pulgas e no
casqueiro de que me
nutro.“
E continua ainda
com mais
vigor: “Sou um
homem honesto”.
E virando os bolsos
do avesso,
exclamava:
“Podem confiar
em mim
e no “bonito”, não
estamos aqui para
enganar ninguém,
não vivo
na Casa da Coelha,
Cabo Verde,
nem estudo
filosofia em
Paris.
A multinacional
farmacêutica
Suiça prometeu-me um
lugar
de presidente
se lhe
desvendasse a formula da minha
banha
da cobra,
mostrando-me que
já
tinham dado emprego
a um
ex-primeiro-ministro muito
mais
aldrabão
do que
eu.
Respondi-lhes simplesmente
que eu
sou um aldrabão
honesto, e a conversa
ficou por aqui.“
O cão
sacudiu-se, e face
à negação de um
futuro tão
promissor, as pulgas
hesitaram se haviam de mudar
de cão. Há pulgas
que saltitam de cão
para cão
consoante as
conveniências.
O homem
parou de tocar a pandeireta,
abriu a camisa,
voltou-se para o público,
e, teatral,
convidou ainda:
“Procurem à vontade;
nada tenho a esconder”!
“Os milhões
do BPN não
passaram por aqui,
nem encontram vestígios
de submarinos ou
de outras grandes
burlas. Nós, eu
e o “bonito”, não
roubamos nada a ninguém.”
A cobra
dava sinais de cansaço.
As cobras não
apreciam o rastejar humano.
E o homem
terminou: “A mim
já todos
me conhecem, sou oficialmente
um charlatão,
e o meu “bonito”
a minha cobra,
o deleite das crianças,
somos estimados pelo povo.“
Fez uma vénia de despedida
e agradecimento, e circunspecto
alertou:
“Cuidado
com a concorrência!”
Presidentes, Ministros, banqueiros
e conselheiros-embusteiros.
Olho
neles! São piores
que as víboras.