Human Rights
Watch retrato a preto e branco 2018 antes do COVID-19
Na cidade dos anjos as crianças
dormem na rua
António Santos 23-4-2020
«As filas de carros para os bancos
alimentares estendem-se ao longo de dezenas de quilómetros. Só aqui, no condado
de Los Angeles, 1,3 milhões de pessoas perderam o trabalho no último mês». As
«cenas distópicas» da Califórnia, garante Charles Xu, responsável da União dos
Inquilinos de Pasadena, nos arredores de LA, «espelham a crise da classe
trabalhadora no quadro nacional».
Em apenas um mês, a pandemia atirou
para o desemprego mais de 20 milhões de estado-unidenses mas são muitos mais os
que podem perder a casa. «31 por cento dos inquilinos dos EUA já não conseguem
pagar a renda de Abril. Estes números vão crescer nos próximos meses», explica
Charles. Não se trata de futurologia: há três anos que o número de pessoas sem
casa crescia paulatinamente nos EUA mas o pior, garante, virá depois do estado
de emergência, quando terminarem as moratórias aos despejos: «a maioria das
moratórias só se aplica a inquilinos que consigam provar que perderam
rendimentos por causa da pandemia. Obrigam-nos a pagar a totalidade das rendas
em atraso num prazo de 6 a 12 meses. Isto vai colocar milhões de trabalhadores
sob o jugo de uma dívida esmagadora no meio da pior recessão desde os anos 30.
Vai gerar ondas de despejos».
A comparação com os anos 30 é
certeira. Em «As Vinhas da Ira», Steinbeck já descreve essa Califórnia que
agora regressa: «Os inquilinos (…) eram também expulsos. E novas ondas estavam
a caminho, novas ondas de espoliados e de gente despejada das suas casas, de
coração endurecido, vorazes e perigosos».
Como nos anos 30, perder o trabalho
pode querer dizer perder a vida. «Para a vasta maioria dos trabalhadores dos
EUA, quando se fica desempregado fica-se sem seguro de saúde. Estima-se que,
nas próximas semanas, 35 milhões de americanos percam o acesso a cuidados de
saúde», explica Charles.
Mas nem tudo são más notícias.
«Estamos a assistir a uma incrível escalada na luta dos enfermeiros, dos
auxiliares de acção médica, dos trabalhadores à jorna, dos auxiliares dos
lares, dos trabalhadores com vínculos precários como na Amazon e na Instacart,
dos imigrantes e dos milhões encarcerados por este Estado policial», assegura
Charles. Faz parte dessa escalada a União de Inquilinos de Pasadena, que tem
promovido protestos, ocupações de casas abandonadas do Estado e greves de renda
em torno de três reivindicações: o fim dos despejos; o cancelamento das rendas
durante a pandemia e a ocupação dos quartos de hotel e casas do Estado durante
a pandemia. «A crise veio tornar mais claro do que nunca que o nosso trabalho é
a fonte de toda a riqueza, que devia ser, como na letra da canção Solidariedade
para Sempre, “nossa para dominar e para possuir”», conclui.
Da saúde à habitação, a pandemia
deixou a descoberto a natureza predatória do capitalismo. Em Los Angeles, o
condado dos EUA onde mais sem-abrigo dormem fisicamente nas ruas, o número de
pessoas sem tecto explodiu, em menos de um mês, de 58 mil para 80 mil. Na
infame Skid Row de LA, uma pequena cidade de tendas insalubres, a maioria dos
moradores são mulheres e crianças. Se Fidel se podia orgulhar de recordar ao
mundo que dos 100 milhões de crianças que esta noite dormirão nas ruas, nenhuma
é cubana, era só justo que Trump morresse fulminado de vergonha, se tal coisa
tivesse ou se ela matasse, porque desse exército mundial de meninos e meninas,
quase dois milhões são estado-unidenses.