«Para ler antes, durante ou depois das férias»
“Sete dias tem a nossa vida nova e este é o sétimo mas nem por isso
descansaremos”
José Casanova, “O Caminho das Aves”
Durante sete
longos-breves dias, vivemos com o narrador
as cinquenta primeiras páginas, que outras não conhecemos assim perfeitas
no olhar sobre acontecimento havia tanto ansiado.
É também o primeiro contacto com algumas das
personagens deste belo romance, “O Caminho das Aves” de José Casanova, das quais teremos conhecimento retrospectivo das suas vivências, na construção de mais uma importante etapa nesta gesta de gente que faz a história e, porque a não escreve,
dela não fica relato; homens e mulheres que, porque humanos são, das suas contradições têm consciência e encontram
na amizade o núcleo que congrega forças, aperta laços, levanta pontes a caminho da liberdade.
E assim
acompanhados, sem que disso
tenhamos consciência,
mergulhamos no livro como se não o
estivéssemos lendo; dialogamos com as personagens,
percorrendo a cidade, o país, agitado por idênticas preocupações, envolvidos
pelo suave sentimento da amizade, pilar
estruturante deste romance de grande actualidade
e utilidade incontestável.
De olhos marejados, frente a um livro que nos enternece, letras, frases, todo o texto surge
desfocado pela emoção.
Isto porque “O Caminho das Aves” é um livro impregnado
de solidariedade “em nome da amizade do amor e da ternura”, sem deixar de ser um romance de enorme lucidez, alicerçado
em valores perenes que nos tocam, de modo indelével,
oferecendo-nos os caminhos do futuro.
Se há prazeres que a literatura nos
proporciona, são justamente aqueles em que, forçados pela emoção ou retidos pela razão,
suspendemos a leitura, deixando o pensamento percorrer “o caminho das aves” e assim, de olhos fechados,
sentindo a delícia do sonho ou da aventura,
regressarmos à realidade da ficção que nos é proposta.
Se o livro de José Casanova desperta
recordações aos que viveram determinada época, mostra aos mais novos o modo como se tece a resistência, se desbravam
caminhos e se
organiza a revolta, fortalecendo fracas vontades e não
menosprezando pequenas razões.
Além do mais, “O Caminho das Aves” empresta asas ao pensamento, à imaginação, ao sonho onde habita o impossível, dando coragem aos que acreditam que “outro mundo é possível”, e
mostrando aos cépticos que, principalmente nas
difíceis encruzilhadas da história, rejeitando
oportunismos e afirmando princípios, é possível unir esforços, saberes e compreensão para seguirmos o
caminho adequado, ultrapassar barreiras, evitar ciladas e romper cercos.
Sendo “um hino à amizade” como muito
correctamente tem sido denominado, “O Caminho das Aves” é também um livro que enfrenta com determinação a história recente que soubemos construir e
revisitamos com orgulho, “porque los que son
guerreros / verdaderos / no descansan descansando.” Recado que Gil Vicente
nos deixou há quase quinhentos anos e o autor perfilha.
Cid Simões
crónica - Setembro de 2002