terça-feira, 14 de setembro de 2010

Os outros abutres


«o futuro está nas nossas mãos»

Gosto de os ver, gola de penas na base do pescoço nu, grandes, calmos, certos de que o mais irrequieto dos seres é presa sua. Tudo questão de tempo!...

De grande acuidade visual, bico forte, distinguem das alturas o alimento de que se nutrem: cadáveres em decomposição.

Ninguém mata um abutre. A sociedade protege-os, são-nos úteis.

Falo-vos do abutre-preto ou pica-osso, um anjo ao lado dos outros: os viscosos, bem vestidos, mente desregrada, vivendo da dor e da angústia, com o certeiro e glacial sentido do lucro.

Pululam pelas cidades, vilas, na mais pequena aldeia ou lugares. Dividindo entre si o sofrimento alheio, apercebem-se à distância da lágrima retida, do íntimo soluço, do choro ou do lamento.

Não me refiro ao respeitável cangalheiro, «pica-osso» por onde todos passaremos um dia, mas sim ao traficante de influências que recebe por debaixo das tábuas do caixão o fruto da sua ignomínia. Usurpador de lugares públicos, escória de uma sociedade que auto-promove as suas próprias exéquias.

Focos de gangrena num corpo social que vão condicionando a própria vida ou morte da política que os gera.

Fragilizados somos na dor e na doença; a quem nos dirigirmos, onde nos socorrermos quando a angústia nos despedaça e pesa?

Meu pobre Alentejo que assassinado vens sendo, triste seara a tua… como o teu pão se transforma em sangue e podridão! Terra onde floresce o suicídio, resposta ao futuro que não enxergam.

Encerraram-te as minas, as charruas estão ao abandono; na ampla planície o muro do desespero fecha-te o horizonte.

Homens e mulheres de bem, gente impoluta, para quem o significado de honra não perdeu sentido. Recuperem a vossa expressão de revolta.

Intelectuais, expressão que viril devia ser deste povo tolhido num mar de lodo em vagas sucessivas de corrupção, submersos que vão ficando de indignidade e opróbrio, afirmem a vossa voz, – têm meios para o fazer – gritem, nem que seja da janela, mas gritem, não miem, para que possamos sentir o orgulho necessário à nossa sobrevivência, sendo o que somos nesta pátria que os “abutresnos sonegaram, mas reivindicamos nossa.

O acesso ao trabalho, à saúde, «privados asseguram 40% dos cuidados de saúde em Portugal - LUSA 14 Setembro 2010» a uma velhice condigna são-nos negados enquanto a burra dos banqueiros floresce.

O bolo gerado pela miséria é grande – desemprego igual a salários baixos – a gula ainda maior. O resplendor dos cifrões (continuemos a chamar-lhes cifrões) ofusca valores universais.

Ser solidário vem dando lugar ao salve-se quem puder. Se puder!...

E enquanto a escória semeia o desânimo e a resignação, nós não baixaremos os braços repetindo à exaustão a mensagem que Francisco Lopes nos sugere:

«É preciso transformar desânimos e resignações em esperança combativa. Confiem nas vossas próprias forças! Mobilizem a vossa vontade, energia e capacidades! O futuro de um Portugal mais justo e desenvolvido está nas vossas mãos

Está nas nossas mãos!



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1 comentário:

Nozes Pires disse...

Um grande manifesto. O tom panfletário que o tenta é moderado através de uma escrita emocionante.