quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O crime anunciado

O BACANAL

(Julho 1997)

Filha de uma privatização dionísica e uma conjuntura afrodisíaca, a EDP representa no mercado o que a figura de Príapo simbolizava na mitologia grega: a virilidade e fecundidade.”

(A. Ferreira - Expresso 21/6/1997)

Olhei a cidade iluminada como nunca se havia visto: quais archotes, as janelas num esplendor inusitado, cegavam-nos de espanto. Interroguei-me sobre o porquê da feérica alegria nos risos que crepitavam por entre ritmos musicais desencontrados.

Festejava-se a primeira fase da privatização da EDP: cada cidadão um accionista, cada accionista um ser livre e despreocupado, os desempregados da empresa promovidos a “investidores”. Em suma, o capitalismo popular Thatcheriano, o ultra-liberalismo Reaganista, o enrechissez vous que fez de todos os trabalhadores gente com vida estável, futuro assegurado. A bem-aventurança...

Exaltava-se a virilidade de um sistema e o poder afrodisíaco dos cifrões num bacanal do grande capital especulativo com os pequenos investidores, virgens a sacrificar no sensual festim.

A debocheira institucionalizada no esbulho ao sector público, com regras decretadas pelos próprios saqueadores, “a EDP é a maior empresa do País em lucros” (DN 6/6/97); o nosso património devassado, o pecúlio de um povo desbaratado em orgias. Tudo coberto por um fátuo fogo-de-vista, um milhão de contos de publicidade pilhado das nossas gamelas.

Qual indústria? Quais empregos? Para quê trabalhar? Coisas do passado... Vamos afrontar o terceiro milénio, - privatizado, quem sabe ? - temos de varrer a poeira da massa cinzenta das velhas carcaças que obstruem o progresso. Devemos ser imaginativos, criativos, empreendedores e lutadores. Lutadores não, os espanhóis mandam-nos a fruta, os austríacos A Truta (de Schubert) e acaba-se a luta.

O que está a dar é ser-se accionista, a-c-c-i-o-n-i-s-t-a! Se cada português ficar com o pacote de acções que lhe cabe, tem a bica paga no fim de cada mês até ao fim da vida. Hem! O que é que querem mais ?

Se os novos Filipes desejam abocanhar um sector fundamental da nossa independência, se os pequenos investidores - que linda expressão para os pobres diabos! - não levam mais do que “umas míseras dezenas de acções”, pois bem, que se agarrem ao príapo do ministro ou do cronista pombo-correio do grande capital, em estado de permanente erecção provocada pelo erótico mercado accionista da EDP.

Que importa se os resultados líquidos da EDP, nos últimos três anos foram de 178 milhões de contos, e se ainda nesse mesmo período entraram para os cofres do Estado (o nosso cofre) 180 milhões de contos sob forma de impostos, ou se este ano os benefícios rondam os 100 milhões de contos?

A reestruturação, em dez anos, reduziu em 30,5 por cento (eram 23.306, são 16.182) o número de trabalhadores e estão previstos mais 2.500 despedimentos (ou serão 5.000 ?) após a primeira fase de privatização. Assim foi prometido aos accionistas pelo senhor administrador António Almeida, homem de palavra, de mãos dadas com os que se nos apresentam de mãos postas. No fundo, um problema de mãos... e pouca água para as lavar.

Que saltem as rolhas das garrafas de champanhe, crepitando em taças de alegria. “O Fim da História...” foi decretado pelo senhor Fukuyama aplaudido pelo grande capital; ignorando porém que a história se alimenta de contradições, húmus e sol do seu devir.

A tensão social sobe e afirma-se; Reforcem os fusíveis!...

Fevereiro de 2012

Num país em explosão

A ED(p) APAGOU-SE!


2 comentários:

trepadeira disse...

Já não as lavam,nem com ácido,mãos ou conciências,se é que ainda têm alguma rèstia.

Um abraço,
mário

Graciete Rietsch disse...

Que ótimo texto, transportando tão poderosas armas.

Um beijo.