A REVOLTA DO PEIXELIM
“Na contradição jaz a esperança”
B. Brecht
O peixelim anda escamado, o
mexilhão aturdido; em águas turvas, a vida é difícil para o peixe miúdo e mesmo alguns crustáceos, habituados
às marés vivas da pouca sorte, já andam
enjoados. É demais! Reclamam.
Os tubarões, temendo tempestades de descontentamento, tentam vender o seu peixe: “que se o mar anda alterado a culpa é do
peixe-diabo, que os peixes vermelhos são perigosos, sobretudo indigestos, que o melhor seria não andarem em cardume, que cada qual vivesse a sua vidinha”. Em suma: não fizessem ondas!
Embora não pertencendo
à família do mais antigo dos vertebrados, o proletário
peixinho-da-horta que, não sendo carne nem peixe, sofre a rebentação do mal-estar que o rodeia, exclama apreensivo: Estou frito!
As piranhas do nosso descontentamento,
sentindo-se, perdoem-me a redundância, como peixe na água, trabalham para o peixe graúdo que não esconde o seu agrado por tão profícuo e leal entendimento. Ambos são insaciáveis!
O próprio fiel amigo, que vestia ganga,
aparece-nos de alpaca, impante como qualquer jovem executivo, quando investido
de alto cargo.
Não está fácil a vida do
peixelim. Companheiros de longa data são levados nos arrastões da vaidade, esfolados,
esquartejados em simétricos rectângulos e postos no mercado em embalagens de luxo, tal como aqueles pelintras que rolam em luxuosos bólides e
enganam o depósito com cinco euros de gasolina.
Entretanto, o peixe miúdo está atento: sabe que há mais marés que marinheiros, que a vida não é um mar de rosas ou de algas – já que mergulhámos
o nosso vocabulário no mundo aquático – e que o
chamamento das sereias perdeu actualidade.
Tal como os anjos inatingíveis, na imensidão dos céus, receosos do
peixe-homem, o peixe-anjo vive na profundidade dos oceanos inacessível aos que procuram milagre em águas mornas, onde a calma é absoluta, mas a pressão insuportável.
Pregar aos peixes!... Mas quem lhes liga? E, no entanto, insistem por todos os meios ao seu alcance. Quem? Os que acreditam que o peixe pequeno ainda os ouve.
Viver
tranquilamente à flor da água, usufruindo
das delícias do sol e do céu que com o mar se
confunde, está vedado ao peixe miúdo. Sonha ser peixe-voador e
libertar-se, mas cada vez mais na revolta que interioriza,
sente-se peixe-espinho quando por ele passa o
peixe-rei, peixe-ministro ou secretário, soberbos,
pavoneando-se com os seus séquitos de
sanguessugas que mais parecem esponjas ou lapas, vegetando
no bojo do poder.
Agitar as águas, libertar os seus irmãos em cativeiro ou viveiro ou lá o que é, utilizar as vagas com lucidez e determinação e, quando menos se espera, surge o maremoto que, na fúria que transporta,
limpa encostas, enseadas, a foz dos rios tudo purificando
na ressaca.
Purificar, pois, com esta bela palavra de revolta e de paz: purificação! Não vá alguém pensar que abuso de metáforas ou suspeitar que pretendo insinuar o que quer que seja.
Os trabalhadores não têm nada, absolutamente nada, a ver com esta estória. Juro e faço figas!
Os trabalhadores são combustível e motor da história e
manifestam-se lutando pela liberdade, o mesmo é dizer, usufruir de uma vida digna de ser vivida.