segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

NÃO ESPERES O TEMPO - Carlos Aboim Inglês

 

NÃO ESPERES O TEMPO

 

Camarada poeta: se puderes

pega na palavra e não te cales

mais. Digo que não esperes,

para cantar, o tempo da colheita.

Agora a fome é tanta

que a palavra pão também se come.

Quem diz pão diz fome e a fome de a não ter não é sobeja.

Digo que a palavra seara faz crescer

o grão da raiva de a não ter.

Digo que a palavra fonte faz jorrar

rios de sede até ao mar.

A palavra trabalho, a palavra suor,

a palavra amiga, a palavra amor.

A palavra precisa, de vendaval ou brisa:

a que denuncia, a que profetiza.

Digo que a palavra que disseres

se pode desfolhar como os malmequeres:

ou muito ou pouco ou tudo ou nada.

O que não pode é ficar calada.

 

Carlos Aboim Inglês

3 comentários:

Olinda disse...

Foi bom revisitar este poema de Aboim Inglês.É lindo.Abraço

Maria João Brito de Sousa disse...

Fabuloso poema!

Monteiro disse...

E verdade fabuloso poema.