GLOSSÁRIO (II)
“Assim se prova, que há arte de furtar, e que esta seja ciência verdadeira, é muito mais fácil de provar, ainda que não tenha escola pública, nem Doutores graduados, que a ensinem em Universidades, como têm as outras ciências.”
“Arte de Furtar” (1742)
À falta de outra, temos «uma certa cultura de corrupção» segundo o ex-Procurador-Geral da República, Cunha Rodrigues.
Veja-se por exemplo o Instituto de Investimento e Privatização dos Açores, o gigantesco “saco azul” de onde mais de meio milhão de contos terão sido deglutidos por dezasseis vorazes criaturas, sem esquecer os muitos sacos azuis da Moderna e o mediático saco azul de Felgueiras.
Os mentores dos sacos azuis vivem numa área escura do poder de legalidade difusa; não sendo crime a escuridão, ninguém sabe, nem vê ou ouve o que se passa no interior dos sacos, quem põe, tira ou… deixar ninguém deixa. Controlo democrático, nem pelo olfacto.
“Saco” exprime embora “acto de saquear”, e tem a vigiá-lo o “azul” que também significa “polícia” (veja o Grande Dicionário da Língua Portuguesa) assim “saco azul” não é, mais nem menos, do que o “saque policiado”.
Não tenhamos a pretensão de vir algum dia a compreender os labirintos no interior de um saco azul.
E o Glossário continua:
Dar a palmada ou dar o golpe circulam na gíria colorida do gingão e, claro que, deitar a luva ou deitar a unha não são expressões de salão, assim como depenar e depenador também não. Defraudador e defraudar são mais suaves no burlar. Porém, depredação e depredar são o roubo violento, muito diferentes do descaminho, um termo bonitinho, próximo do desvio e não longe do desfalque ou desfalcar, despojo ou despojar. Mas nobre, nobre mesmo, é o desvio…o desviar, não se utilizam abaixo do milhar e, creio que com a inflação, já deviam ter sido promovidos a milhão. Dolo, até pela pronúncia tem classe e pavoneia-se pelos corredores dos tribunais.
Empochar, empalmar, empalmação andam muito pelas ruas do calão e eliminar, tal como endrominar, também. Empolgar é mais violento e o engodar tem ardil. Esbrugar ou esburgar é forçar e esbulho e esbulhar são mais abrangentes, vão até ao abuso de poder; já escamotear é roubar com muita habilidade e escorchar anda pelos mesmos becos do despojar. Escroque, galicismo, entrou no nosso linguajar e ficou como burlão, intrujão, vigarista e trapaceiro que é. Ao esgueirar-se, subtrai-se com astúcia, desvia-se, sendo a estafa burla; espoliar é extorquir e esquivar-se furtar; enquanto que subtrair herança é expilar. Extorquir, extorsão e extorsionário são termos rudes; já, extravio navega nas águas do desvio.
Fajardo furta habilmente, faz fajardice em suma; falcatrua e falsificar andam muito a par; a malta diz fanar, fazer a folha e fangueirada é furto que vale a pena. Fazer, fezada, fazer rajá é simplesmente roubar, mas fazer a pala é encobrir o roubo; e ainda com o verbo fazer temos o fazer mão baixa e fazer mão de gato. O flibusteiro vive de expedientes, da trapaça; forjar é falsificar; fraude ou fraudulência, fraudar, fraudador andam no campo do engano, do defraudar já citado. Furto, furtar e furtança são linhas do mesmo novelo, onde se enrola a trapaça.
Razão para voltarmos com o “Glossário (III).
2 comentários:
Excelente glossário!
Abraço amigo.
Obrigado Samuel. Ainda ando às apalpadelas mas estou habituado às dificuldades.
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