Não há espaço para a
neutralidade. Ser neutro é ser conivente.
ASSIM-ASSIM
“Ser descontente é ser homem”
Fernando Pessoa
“Vamos
andando assim-assim, não é verdade?” A afirmação embebida de interrogações foi lançada ao grupo que tomava a bica matinal, por um sujeito portador de máscara-sorriso-convencional. Um
conformista.
O senhor
António, homem de convicções, detestava as meias-tintas, além do mais não estava nos seus dias, bebeu de um
trago a bica-curta, olhou de frente o recém-chegado e disparou:
“Eu
estou assim, e o senhor assim está, o que não significa que estando ambos deste
modo, estejamos os dois assim-assim. Detesto a neblina, prefiro a enxurrada.”
O
homem máscara-sorriso-convencional, apertou o nó da gravata, remexeu-se dentro
do casaco, olhou à sua volta, soltou uma amostra de pigarro e quedou-se,
enquanto outro dos visados, “virado do avesso”, engasgando-se logo ao primeiro
golo de café, não deixou passar o “insulto”:
“Não
gosto da vida assim-assim, é o pior que nos pode acontecer. É o indefinido, o
não anda nem desanda, o marasmo que arrasta a perda de horizontes, a mornaça
que atabafa os espíritos. Não é cólica nem diarreia, é prisão de ventre. Um
desconforto!”
“Já
imaginou o que é um indivíduo, um povo, uma autarquia ou
um país assim-assim”? hem! Já
imaginou? Se nos dispuséssemos a ficar
assim-assim estávamos acabados!”
A
máscara virou o sorriso para a porta espreitando a fuga, e o homem achou que as
coisas já não estavam assim-assim. Triste ideia a de ter saído de casa!
“Estar
assim-assim, é ter perdido as emoções que comandam o gosto ou o desgosto de
viver, não estar contente nem descontente, olhar e não ver, comer sem apetite,
um desconsolo! Procure colocar-se nessa situação, faça um esforço e diga-me se
não é de ficar apavorado.”
“Uma
reforma assim-assim dá para ir vegetando, e vegetar é gastar
a vida sem interesse e sem emoções, levar uma vidinha que
se arrasta por entre o paciência-podia-ser-pior, o se faz favor,
o muito agradecido, o desculpe se incomodo. O assim-assim é um
mal-estar que nos envolve sem sabermos de onde vem; prefiro a topada.”
Hirto
e de sorriso aos pés, o homem não sabia como se desenvencilhar da encrenca em
que se havia metido. Aferiu que estava entre gente insatisfeita e balbuciou:
“Mas... um... um governo assim-assim... sempre seria melhor que...”
O
empregado de mesa deixou cair a bandeja, e por entre o estardalhaço explodiu um
vozeirão:
“O
assim-assim é o caminho privilegiado para o ainda pior”. - Fez-se silêncio, e a
interrogação surgiu tonitruante. - E sabe porquê? Porque o assim-assim é a
inércia. Sabe o que é a inércia? É o vai para onde te empurram!”
O sorriso rastejou até à porta deixando só o homem já sem máscara. “Melhor seria ter estado calado.” Concluiu. “Quando não se tem trincheira
apanha-se de todos os lados.” Cogitou.
O
Manuel Caveira, de olho vivo, ouviu, ouviu e sentenciou:
“Veja
ao que nos levou o assim-assim! A esta governação purulenta, a esta merda!”
E
o conformista sumiu-se.
3 comentários:
Assim,assim,nao se chega a lado nenhum.Caminhemos atê Belêm!
Resistir é preciso
contra a canalha
De facto o assim assim não leva a lado nenhum. Não me acredito nos neutros. Ou se está de um lado ou do outro da paliçada.Mas os cobardes vão disfarçando com a pretensa neutralidade.
Um beijo.
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