15 de Junho de 2005
Um doloroso silêncio
Atraída por um sentimento difuso, de todas
as artérias
convergentes à Praça do Chile, a tristeza tornava-se multidão. Uma amálgama de classes sociais de três gerações unidas numa
dor comum. Não dialogavam,
olhavam-se surpresas procurando
a resposta, o porquê de ali se
encontrarem esperando que surgisse,
numa lágrima ou soluço, a resposta que a dor retida
recusava.
Um cravo vermelho floria junto ao rosto de uma jovem que,
abraçando-o, aguardava o momento de o devolver a quem até ali a trouxera sem disso ter conhecimento. A flor pertencia a
quem lhe dera o mais perfeito exemplo de como se constrói
a liberdade. Pálida, de semblante carregado, de quando em vez erguia-se em bicos de pés de entre o povo que a envolvia,
não descortinando mais do que gente caminhando em sua direcção. Dentes cerrados, olhos marejados, um homem vigoroso engolia um soluço. Ninguém se saudava,
poucos se conheciam, tinham no entanto um compromisso comum, uma dívida a saldar e
aguardavam o credor. Se alguém soltasse a centelha de dor que a custo retinha
faria explodir a mágoa que cada vez mais se
adensava, aguardando o extravasar da angústia.
Em comunhão, todos sentiam que algo de diferente acontecera,
que a história na sua pulsão inexorável continuaria
o seu curso mas que havia
perdido um protagonista que deixara marca indelével no seu percurso. Um jovem casal de mãos dadas
retido no espaço e como que parado no tempo, um ancião
esgueirando-se por entre a multidão caminhando
num labirinto de
interrogações procurava a saída que não esperava encontrar.
Esgotava-se a tarde, um bruaà como indicador faz convergir todos os olhares para o cortejo que, ao longe, se
vislumbrava em nossa direcção. Já aí vem,
murmurava-se como se anunciássemos a chegada de um amigo a um encontro combinado, já aí vem
pronunciava-se num murmúrio abafado pela emoção. Foi o nosso último e derradeiro encontro.
Lançámos-lhe cravos como gritos de silêncio porque as palavras surgiam
deslocadas.
A maior manifestação de reconhecimento e dor de que se guarda memória, não se
antevendo quem possa suscitar igual merecimento.
2 comentários:
Que texto tão lindo !!!!!
E eu comunguei também desse doloroso silêncio.
Um beijo.
Comovente texto,camarada.Guardo o meu cravo desse dia inesquecîvel,entre as folhas do livro:A Arte,o Artista e a Sociedade.
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