terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

As duas mulas coxas


As duas mulas coxas

«Trata-se de irmãos siameses em litígio porque excessivamente unidos»
Cadernos do Cárcere – António Gramsci

Com ou sem razão esta alimária, a mula, sempre foi e continua a ser muito mal conceituada, não pelos burros, os verdadeiros, esses que estão em vias de extinção. A mula tem o estigma da manha e, como se não bastassem os inúmeros epítetos pejorativos que acumula ‘pessoa reles, fingida ou matreira’, significa também doença venérea e correio de droga, mas principalmente, designa dissimulação onde reina a hipocrisia.

As estórias que o meu amigo Elias gosta de contar encaixam sempre no que o cerca, e embora a sua imaginação me espante, não se cansa de afirmar que a ficção nunca conseguirá ultrapassar a realidade.

O entusiasmo que põe na narrativa das suas “duas mulas coxas” faz-me sorrir e pensar; sim, porque estórias para entreter e que não nos façam reflectir, não fazem parte do seu reportório.

Com um sorriso matreiro, o meu amigo Elias dá, assim, início à sua estória: Era uma vez uma carroça puxada a duas mulas coxas, cada qual atrelada a seu varal, mancando cada uma para seu lado. A da esquerda, como lhe saltaram os cravos da ferradura da pata direita, (os outros cravos desdemuito que os não tinha), claudicava para o lado direito, e a do varal contrário simulava coxear para a esquerda porque, mula que era, fingir sabia.

E, assim, tropeço aqui, tem-te não caias acolá, desaguisado aparente frente às câmaras de televisão, seguiam um percurso comum sem interromper a marcha. E porque usavam espessos antolhos, escoiceavam às cegas procurando atingir quem as apupasse.

Pedi desculpa ao narrador pela interrupção, mas não resisti em lhe perguntar o que é que transportavam na carroça e a quem se destinava a carga, e encostando-se a mula sinistra tanto à direita por que razão não as colocavam num varal bem ao centro?

Os dois varais dissimulam a alternância. A carga mais delicada destina-se a garantir aos Bancos impostos baixos e salários de miséria para quem trabalha à mistura com muitas promessas a caminho do esquecimento.
Como carga suplementar, podem ser vistos enormes sacos repletos de demagogia, rolos de desfaçatez para embrulhar os menos atentos e discursos enfadonhos, repetindo a lengalenga habitual.

As mulas zurram todas na mesma frequência, diferem nos decibéis.

ENTRETANTO HÁ QUEM LHES APERTE O FREIO.

 

1 comentário:

Graciete Rietsch disse...

São mesmo duas mulas coxas ou irmãos siameses. Qualquer expressão se adapta bem a esses senhores.

Um abraço.