se sobrepõe às diferenças ideológicas
Opinião
Marcar o território
O PCP cumpriu a sua
missão política
no presente e marcou o território
para o futuro.
A ida do secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, ao Palácio de Belém,
para uma audiência com o Presidente da República, Cavaco Silva, onde pediu a
demissão do Governo chefiado por Pedro Passos Coelho e a convocação de
eleições, pode ter passado despercebida a muitos.
Muitos dos que nela repararam, podem ter
achado estranho
– e outros até
pensado que era
absurdo – o líder
de um partido
minoritário sentir-se com legitimidade para pedir a queda de um Governo
eleito, mesmo tendo em
conta que a coligação governamental
do PSD e do CDS saiu derrotada nas europeias do mês
passado.
Mas o acto político desempenhado pelo
secretário-geral do PCP nada tem de absurdo ou de inusitado, antes
é um sinal
de coerência e também
um sinal
do empenhamento e da atenção com que os comunistas portugueses vivem o actual momento político.
O PCP saiu das Europeias com 416.925 votos
e 12,69%, um resultado
que estando abaixo
dos 441.147 votos obtidos nas
Legislativas de 2011, os quais apenas representaram 7,90%, ainda
assim está acima
dos 379.787 votos conseguidos nas
Europeias de 2009, que representaram
10,64% dos resultados. Este ano, o PCP
conseguiu deste modo eleger
três deputados
ao Parlamento Europeu
contra dois que tinham anteriormente.
Para além de vencedor, o PCP sai destas eleições olhando para o lado e vendo o PS com
uma vitória tangencial,
que levou à abertura
de uma disputa interna
pelo poder partidário, e o BE em
crise de desagregação
acentuada pelo resultado
das europeias, que determinou a redução
de três para
uma eurodeputada.
Mais. O desgaste do sistema
político português
e a corrosão da representatividade partidária aumentaram a desconfiança dos eleitores nos partidos do sistema
parlamentar. O discreto
MPT conseguiu eleger dois
eurodeputados numa lista liderada pelo
antigo Bastonário da Ordem dos Advogados,
que se tem caracterizado
pelo discurso
desalinhado dos padrões tradicionais do sistema político
português.
A vitória do PCP nas europeias é
vivida pela sua direcção e pelos seus militantes de acordo com o padrão de
referências deste partido. Um partido com identidade comunista, um partido que
se mantém fiel à sua natureza de partido da classe operária e de todos os
trabalhadores, que continua a caracterizar-se como revolucionário e
internacionalista, que permanece leal à ideologia marxista-leninista,
continuando a defender, assim, a construção de uma sociedade socialista, tendo
como objectivo final o comunismo.
É este ideário e a capacidade de
mantê-lo hoje, mais de duas décadas depois da queda do Muro de Berlim e do fim
dos regimes comunistas de Leste, que faz do PCP um partido diferente e de certa
forma único em Portugal e até na Europa. A singularidade do PCP assenta nas
suas características de partido comunista mantidas intactas e até depuradas na
última década, mesmo depois da morte do líder histórico Álvaro Cunhal.
Essa singularidade faz do PCP um
partido anti-sistema dentro do sistema. Isto porque o respeito pela legalidade,
pelo formalismo e pelo institucionalismo de Estado é uma questão de honra no
PCP – e de sobrevivência até, já que ao mesmo tempo protege-se de ser
institucionalmente desrespeitado ou posto em causa como partido do sistema. Foi
assim desde a legalização do PCP após o 25 de Abril e é esse formalismo e e
institucionalismo que nunca permitiu que fosse sequer aflorada a possibilidade
de questionar a sua legitimidade dentro do sistema democrático.
Só que, sendo do sistema e estando
no Parlamento, o PCP é um partido anti-sistema e no seu projecto tem como
objectivo a superação revolucionária do regime democrata actual e a implantação
de um regime socialista. É o desejo de atingir essa meta que enforma o seu
perfil crítico e discursivo, que o torna na principal força anti-sistema do
ponto de vista doutrinário. Mas também do ponto de vista formal, já que nas
urnas, os seus eleitores expressaram apreço pela atitude política e o perfil
crítico e oposicionista do PCP.
Ora, perante este eleitorado, o seu
eleitorado, o PCP fez na segunda-feira o que tinha de fazer. Agiu em
consonância com os seus compromissos perante os seus apoiantes e no respeito
estrito do formalismo institucional do sistema político português. Foi ao
Palácio de Belém, dirigindo-se ao mais alto órgão de soberania da hierarquia do
Estado, o Presidente da República, para transmitir aquilo em que se
especializou e com que o seu eleitorado se identifica, a saber, que este
Governo e esta política não servem.
Assim, cumpriu a sua missão política
no presente e marcou o território para o futuro.
1 comentário:
Gostei bastante desta opinião.
Foi honesta.
um abraço.
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