Carteirista, profissão
sem futuro.
«A cobiça de riquezas
he como o fogo,
que nunca
diz, basta.»
Arte de Furtar (1652)
No local
mais discreto
do café, o carteirista recuperava a despesa da bica lendo
o jornal à disposição
da clientela. A vida
estava cada vez
mais difícil,
os porta-moedas que
conseguia palmar não
pagavam o risco, alguns
vinham mesmo vazios,
fruto da crise
generalizada na arraia-miúda, tinha, pois, que saber gerir
bem os magros
cêntimos que
arrebanhava de quando em vez.
O homem
que tomava a bica
e lia o jornal
estava como que
hipnotizado com as grandes
parangonas do matutino:
«Menezes investigado»
Olhou para mim, pediu-me um
cigarro e desabafou: “desculpe o
incómodo mas estas notícias
deixam-me nervoso e o tabaco está tão
caro…”.
Tranquilizei-o, dizendo que o Menezes quis deixar
as dividas arrumadas antes de sair de Gaia e que além dos
300 milhões assumiu um
contrato de 150 milhões
de euros que
vigorará até 2026. Tudo
com uma só
preocupação, defender
os nossos interesses.
No entanto
achei por bem
esclarecer o honesto
artesão que,
face a estes
indivíduos, os carteiristas merecem toda a minha consideração.
O homem
virou a página, dirigindo-se-me,
excitado: “olhe o melro: vai-nos à carteira todos
os dias e abotoou-se com 150 mil euros.»
Procurei que
se acalmasse esclarecendo-o que lapsos de memória
todos nós
temos, uns mais que
outros, mas
haja quem “atire a primeira
pedra.” E que
todos os dias
somos confrontados com desvios de milhões
feitos por
burlões qualificados, sem menosprezo pela
sua alta
qualificação profissional, que muito
prezo, disse.
O carteirista começou a empalidecer,
pediu um copo
com água
e mais um
café. Recuperado do choque,
confessou não se sentir
habilitado para entrar
nesse mundo do crime.
Desculpando-se, levantou-se, alegando que tinha que aproveitar a hora de ponta
no Metro para
garantir o almoço;
quando procurei pagar
a despesa já não tinha porta-moedas. Ao sair do café, o pobre homem vinha acompanhado por
um polícia.
Com um
sorriso triste,
disse-me que já
tinha o almoço
garantido e devolveu-me o dinheiro.
Aos outros
a polícia bate-lhes a pala, não andam
de Metro, têm motorista
privativo e o futuro
sorri-lhes; sabem que depois das muitas aventuras
rocambolescas que fariam inveja
a Ponson du Terrail, virá a prescrição ou qualquer outra artimanha
judicial que
os iliba.
E a contradança
recomeça com
a mesma quadrilha.
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