ÁUREA MEDIOCRITAS – Capítulo I de
“O Homem Medíocre" (1913)
De
José Ingenieros (1877-1925)
VI — Perigos sociais da mediocridade
A psicologia dos homens
medíocres caracteriza-se por um traço comum: a incapacidade de conceber
uma perfeição, de formar um ideal.
São rotineiros, honestos,
mansos; pensam com
a cabeça dos outros,
condividem a hipocrisia moral alheia, e
ajustam o seu caráter
às domesticidades convencionais.
Estão fora de sua órbita o engenho,
a virtude e a dignidade,
privilégio dos caracteres
excelentes; sofrem, por
isso, e os desdenham. São cegos para as auroras;
ignoram a quimera do artista,
o sonho do sábio
e a paixão do apóstolo.
Condenados a vegetar, não
suspeitam que existe o infinito, para além dos seus horizontes.
O horror do desconhecido
ata-os a mil preconceitos
tornando-os timoratos e indecisos; nada
aguilhoa a sua curiosidade;
carecem de iniciativa, e olham sempre para o passado, como
se tivessem olhos na nuca.
São incapazes de virtude;
ou não
a concebem, ou ela
lhes exige demasiado
esforço. Nenhum
afã de santidade
consegue pôr em
alvoroço o sangue
do seu coração;
às vezes não
praticam crimes, com
medo do remorso.
Não vibram em tensões mais altas de energia; são frios, embora
ignorem a serenidade; apáticos, sem
serem previsores; acomodatícios sempre, nunca
equilibrados. Não sabem estremecer,
num calafrio, sob
uma carícia terna,
nem desencadear
de indignação, diante
de uma ofensa.
Não vivem a sua vida para si mesmos, mas para o fantasma que projetam na opinião
dos seus semelhantes.
Carecem de linha; sua
personalidade se desvanece, como um traço de carvão
sob a ação do
esfuminho, até
desaparecer por
completo. Trocam a sua
honra por
uma prebenda, e fecham a sua dignidade com chave, para evitar
um perigo;
renunciariam a viver, ao invés
de gritar a verdade em face do erro de muitos. Seu cérebro e seu coração
estão entorpecidos igualmente, como polos de um
ímã gasto.
Quando se
arrebanham, são perigosos. A força do número
supre a debilidade individual:
mancomunam-se aos milhares, para oprimir todos
quantos desdenham encadear
a sua mentalidade
nos elos
da rotina.
Subtraídos
à curiosidade do sábio,
pela couraça
da sua insignificância,
fortificam-se na coesão do total; por isso, a mediocridade é, moralmente,
perigosa, e o seu conjunto
é nocivo em certos momentos
da história: quando
reina o clima
da mediocridade.
Épocas há em que o equilíbrio social
se rompe a seu favor.
O ambiente torna-se refratário
a toda ânsia
de perfeição; os ideais
se emurchecem, e a dignidade se ausenta;
os homens acomodatícios
têm a sua primavera
florida. Os Estados convertem-se em mesocracias; a falta
de aspirações para
manter alto o
nível da moral
e da cultura, vai tornando mais profundo o
lamaçal, constantemente.
Embora
isolados não mereçam atenção, em conjunto, constituem um
regime, representam um
sistema especial
de interesses irremovíveis. Subvertem a tábua dos valores
morais, falseando nomes,
desvirtuando conceitos; pensar
é loucura, dignidade
é irreverência, é lirismo
a justiça, a sinceridade
é tolice; a admiração,
imprudência; a paixão,
ingenuidade; a virtude, estupidez...
Na luta das conveniências presentes
contra os ideais
futuros, do vulgar
contra o excelente,
é comum ver
mesclado o elogio do subalterno com
a difamação do conspícuo,
pois, tanto
uma coisa como
outra, comovem, igualmente
os espíritos embrutecidos. Os
dogmatistas e os servis aguçam os seus silogismos, para falsear os valores na
consciência social;
vivem da mentira; alimentam-se dela, semeiam-na,
regam-na, podam-na, colhem-na. Assim,
criam um mundo
de valores fictícios,
que favorece a escala
dos gênios, dos santos
e dos heróis obstruindo, nos povos, a admiração da glória.
Fecham o curral, cada
vez que
vibra, nas vizinhanças, o alento inequívoco
de uma águia.
Nenhum idealismo é respeitado. Se um
filósofo estuda a verdade,
tem de lutar contra
os dogmatistas mumificados; se um santo quer atingir a virtude,
despedaça-se contra os preconceitos morais
do homem acomodatício;
se o artista sonha
novas formas,
ritmos ou
harmonias, as regulamentações oficiais da beleza
embargam-lhe o passo; se o enamorado quer amar, obedecendo ao seu coração, esboroa-se
contra as hipocrisias
do convencionalismo; se um juvenil impulso de energia leva a inventar, a criar, a regenerar, a velhice
conservadora corta-lhe o passo; se alguém, com gesto decisivo,
ensina a dignidade,
ladra a turba
dos servis; os invejosos corcomem, com sanha perversa, a reputação
dos que tomam os caminhos
dos cimos; se o destino
chama um
gênio, um
santo ou
um herói,
para reconstruir uma raça ou um povo, as
mediocracias, tacitamente arregimentadas, resistem. Todo
idealismo encontra,
nesses climas, o seu
Tribunal do Santo
Ofício.
2 comentários:
Excelente texto de Ingenieros.Sempre actualizado.(Jâ agora,a data do nascimento de Ingenieros estâ errada,mas compreende-se que ê lapso)
Um abraco
Obrigado, Cid, pela existência desta coluna. Aqui combate-se a mediocridade e outros males que nos cercam.
Aqui há ideais; exaltam-se os rebeldes com causas.
João Pedro
Enviar um comentário