Isso
a que chamamos “Cultura”
A
batalha das Ideias na produção de sentido
“O colonialismo
ideológico acompanha sempre o colonialismo económico
e a libertação
económica não é possível sem a libertação ideológica”
A Cultura não é, em nenhuma das suas expressões, um
ser imaculado nem intocável. A sua própria existência exige a presença da
crítica como condição necessária e como motor do seu desenvolvimento histórico
(especialmente hoje) quando chegamos ao ponto em que a palavra “Cultura” pode
ser usada para significar quase todas as coisas. Umas vezes porque certos
caprichos epistemológicos, nos seus debates cada vez mais escolásticos, cinzelam de bom grado a sua necessidade de chamar
“Cultura” ao que não se atrevem a qualificar como Ideologia. Outras vezes
porque se fundaram tradições
antropológicas, sociológicas ou filosóficas que se derramariam sobre
generalidades (cada vez mais confusas) se não contassem com um conceito dique onde caiba tudo, incluindo a sua
raiz de cultivo. Outras vezes ainda porque atrás – ou debaixo- da palavra
“Cultura” podem camuflar-se ou esconder-se interesses de todo o tipo... –
incluindo os mais retorcidos. Basta recordar as aventuras culturais da NATO.
É muito
importante manter aberto o debate sobre a Cultura e seus significados. “Cultura
de massas”, “Cultura de Elite”, “Cultura Culinária”, “Cultura Indígena”,
“Cultura Popular”... “antropologia cultural”, “políticas culturais”,
“Indústrias Culturais”, “Narco cultura”... enfim, trata-se hoje de um conceito
faz-tudo que pode utilizar-se em qualquer momento para dar lustro retórico a um
sem-número de actividades, intenções ou falácias. E o usuário fica
bem perante os auditórios mais diversos, bastando-lhe para isso invocar a
Cultura que habitualmente é apresentada como um ente intocável.
Do cultivo dos campos passámos a cultivar o espírito
e o século XVII inclinou o seu significado para o cultivo das faculdades
intelectuais. Com a Ilustração a palavra “Cultura” tornou-se sinónimo de “Civilização”
em oposição de classe ao conceito “barbárie”, em oposição de classe entre as
forças da natureza e as forças da Cultura... actualização feita à medida da
Grécia clássica na divisão artificial capitalista entre o trabalho físico e o
trabalho intelectual. Nasce a ideia de que a Cultura é um instrumento de
dominação expressa nas Belas Artes, nos lucros da burguesia. Só a classe culta produz “Cultura”, “saberes”,
“progresso”, “razão”, “educação”.
Também o etnocentrismo se apoderou do conceito para
modelar os imaginários coletivos ao serviço do consumismo de mercadorias como
máximo ganho cultural permitido aos
povos. Para cúmulo, isso a que se chama “Cultura” enverniza-se com a ideia do
folclore em oposição – matizada - face ao iluminismo e ao romantismo e portanto
não há “Cultura” mas “Culturas”. Mesmo com uma carga, não poucas vezes,
racista. E chegamos a usar o conceito Cultura como sinónimo – reducionista – de
organização de espectáculos, feiras e exposições.
E hoje somos dominados a nível planetário pela
Cultura da Guerra (o comércio por outros meios), realidade esta camuflada por
todos os Mass Media. O que, diga-se
de passagem, nem sequer é uma novidade. Cinema, literatura, televisão,
vídeo-jogos... são hoje novos campos de
disputa da luta de classes que (também) se trava com valores, condutas e com sinais... na cabeça e nos corações. É uma
disputa de interesses, em sociedades divididas em colonizadores e colonizados,
para ganhar o terreno dos imaginários onde se erguem os princípios, as ideias, os afectos... cenários da Batalha
das Ideias, dos Gostos e dos Hábitos. Disputa antiga pelo domínio dos valores
sociais, para pôr o mundo de pernas para o ar, para tornar invisíveis as coisas que realmente contam e impor-nos como valiosas
só as mercadorias e a ideologia dominante. Claro que se trata de uma disputa
edificada sobre mísseis, canhões, metralha e golpadas... cimentada com
terrorismo financeiro, chantagem com investimentos e vampirismo bancário.
As suas armas estratégicas continuam a ser – entre outras
– as Igrejas, o Estado Burguês, a Educação e os mass media... que desenvolvem formas diversas de violência
psicológica planificada contra os povos, o aviltamento da dignidade, a
criminalização das rebeldias, a situação de ameaça permanente e o
amedrontamento como religião... É uma sequência de acções alienantes
sistemáticas convertidas em Indústria do entretimento
e do prazer... é o sequestro dos
jogos, do ludismo necessário, do sentido
do humor, das tradições colectivas e da identidade comum. É o sequestro do social
nas garras do individualismo, é o reino da fadiga, a moral da extenuação, as
privações e as carências daqueles que produzem a riqueza concreta. É a
perversão da ternura nas garras do sentimentalismo lamechas; o parasitismo
contra a solidariedade, contra a consciência de classe e contra a organização
social transformadora.
Se o mundo é abalado pela crise prolongada do
capitalismo, que na sua agonia depreda e mata tudo à sua passagem, a Nossa
América foi muito em especial considerada “traspatio” onde o imperialismo praticou todas as suas monstruosidades, que
incluem a lista dos estragos terríveis causados pela ideologia da classe
dominante... nem por isso vamos ficar calados. Não permaneceremos em silêncio,
e muito menos hoje quando a guerra psicológica permanente, que o capitalismo
desencadeia com as suas máquinas de guerra ideológica (radiofónicas,
televisivas, impressas, digitais...) se traduziu em golpes de Estado,
magnicídios e genocídios.
Não vamos emudecer perante a pressão quotidiana do
consumismo febril, não ficaremos indiferentes ante a intoxicação dos povos com
a mentalidade individualista. Não vamos evadir a nossa responsabilidade crítica
face à manipulação dos gostos, dos valores sob as manias disfarçadas de
“entretenimento”, noticiários, diversões, jogos e concursos... mesmo quando disfarçados de escolas,
institutos e universidades, tudo isto constituindo uma ofensiva servil à lógica
do império para saquear e escravizar recursos naturais, mão-de-obra e a
consciência dos povos.
Precisamos de blindagens para a esperança de impulsionar uma grande Revolução Cultural a
partir do melhor que os nossos povos
conquistaram em centúrias de lutas emancipadoras, em séculos de aprendizagens e
como resultado de milhões de experiências teórico metodológicas. Num continente
que foi submetido a barbaridades de todo o género; num continente que foi
espezinhado por quase todos os impérios do planeta; num continente
extraordinariamente rico em matérias-primas, heranças culturais e diversidades
identitárias... num continente vitimado, com toda a impunidade, pela avidez
colonialista de escravizar a consciência e a mão-de-obra dos seus povoadores, o
desenvolvimento de uma grande Revolução Cultural para a integração - desde as
bases - não só parece uma necessidade suprema, lógica e urgente... mas é
sobretudo um acto de justiça social de primeira ordem. E não se pode dizer que
uma tal Revolução não esteja, a seu modo e com as suas limitações, em marcha.
Revolução Cultural continental para entender
cientificamente o cenário actual da disputa cultural e sonhar, objectivamente,
com mudanças históricas verdadeiras. “Se não mudarmos as ideias, não mudamos
nada”. Uma Revolução Cultural da Nossa América é, por
necessidade, uma Revolução económica, social e política. Revolução
alfabetizadora, uma Revolução ecológica, uma Revolução educativa, uma Revolução
do habitat, uma revolução do trabalho... e, também, uma revolução artística,
científica, comunicacional e ético-moral; em suma, uma Revolução também da
produção dos Símbolos emancipadores... ou será nada.
Rebelión/Instituto de Cultura e Comunicação UNLA
1 comentário:
Muito bom o que acabei de ler!Quanto mais culto,mais livre,é da História!Abraço
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