“O
Gesto Que Fazemos para Proteger a Cabeça”
A
primeira leitura é de descoberta, a sofreguidão de preencher o tempo de espera
por um novo livro de Ana Margarida de
Carvalho.
Uma vez saciados regressamos ao banquete para degustar devidamente os sabores que nos são propostos:
«desanda daí,
o cansaço é uma
sofreguidão de vésperas e sonos acumulados, às vezes desvia-se do carreiro
feito de caules enxofrados, restolho amachucado e seiva vertida em vão, duas linhas
de infinitos óbitos sulcadas pelas carroças dos companheiros, e ia um pouco
mais ao lado só pelo prazer de esmagar um ninho de abetarda com as rodas da
carroça, sentir estalarem os ovos ou os crânios miniaturais das crias, casulos
amarelos e penugentos, entretinha-o a dança desesperada da ave que, para
afastar os predadores, se punha numa fuga encenada, com uma asa alquebrada, a
fingir-se de ferida, presa apetecível, a sacrificar-se pelos seus ovinhos, mas
tão desastrada, a mais desgraciosa das aves, aos pinchos, grotesca,
escutava-lhe os piares cruciantes, quando voltava e via a sua criação feita em
papa, a infeliz, quem julgava enganar,
só se alguma raposa fosse na rábula da ave desvalida, a oferecer-se em
penitência, fazia-lhe lembrar a mãe, que chamava para si todas as atenções, a
infeliz, e assim poupou os filhos de serem esborrachados pela fúria da aldeia,
mas nem a mãe tinha astúcia de ave desajeitada, nem o seu cérebro chegava para
tanto,
pobre mulher,»
(Pág.
19)
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