domingo, 24 de maio de 2020

Esta lei – Maria Velho da Costa

 
1938 - 2020  


Esta lei

Ainda que não houvéssemos feito
mais nada desde o século XVI,
erigimos este corpo de leis
invulgarmente justas e certas,
em nome da vontade popular.
A lei democraticamente escrita
pelos representantes legítimos de um povo
e o rosto que esse povo levanta
perante as outras nações.
Resplandecente de esperança e dignidade,
esta lei há-de fazer-nos maiores
do que somos na adversidade e dependência,
porque os homens são construídos ou destruídos
pelas leis que os obrigam e abrigam.
Esta é uma Constituição aventurosa,
projecto de vida certa
deste povo para este povo.
Estes são os novos mandamentos
a que ater-nos durante a longa travessia
até à justiça de todas as leis do mundo.
Mais uma vez chegamos primeiro,
acaso sem ter com quê.
Mas destruir estas tábuas seria
destruir algo daquilo em que sempre
fomos grandes – a capacidade de inscrever
o sonho realizável
na memória e no assombro dos outros povos.


Março, 1978
Vértice 59
/Março-Abril de 1994


2 comentários:

José Corvo disse...

Li muita coisa da Maria Velho da Costa e sempre vi nela uma mulher progressista que o Expresso Curto sobre a sua morte a mancha ao falar dela em não sei quê que era contra regimes totalitários. Ou o Expresso baralha ou sou eu que ando baralhado.

cid simoes disse...

O rancoroso Balsemão nunca esqueceu o facto de ela ter aderido ao PCP.